Justiça
STF anula condenações em atos Contra a Copa por infiltrado fora da lei
Em decisão de Habeas Corpus que beneficia 23 ativistas que foram presos, Supremo reconhece ilegalidade de infiltrado sem decisão judicial
Uma longa novela repleta de injustiças chegou perto do fim nessa terça-feira 26, na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que, por unanimidade concedeu parcialmente o Habeas Corpus para declarar a ilicitude de infiltração policial e das provas obtidas que embasaram a condenação de 23 ativistas que se engajaram contra a realização da Copa do Mundo de 2014.
De acordo com a acusação, o caso trata de manifestações com atos de vandalismo no Rio de Janeiro, ocasião em que alguns indivíduos teriam se associado de forma estável e permanente para “planejar ações criminosas” e “recrutar simpatizantes pelas redes sociais” e outros canais. Os advogados informaram nos autos que a advogada Eloisa Samy, uma das condenadas e paciente na ação no Supremo, foi condenada pelo juízo da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro a sete anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, com base na prova que se questiona.
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Rio de Janeiro (OAB-RJ), impetrante, objetivava o trancamento da ação penal contra a advogada sob a tese principal que, conforme previa a lei, a infiltração de agentes de segurança pública para colher provas para condenação somente poderia ocorrer com decisão judicial.
Tanto no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negaram o recurso sob o entendimento que a atuação do policial se deu na condição de agente de inteligência.
Entretanto, em seu voto, o relator ministro Gilmar Mendes explicou que a diferença entre agente de inteligência e agente infiltrado se dá em razão da finalidade e da amplitude da investigação.
Enquanto o primeiro tem uma atuação preventiva e genérica, buscando informações de fatos sociais relevantes ao governo, o outro possui finalidades repressivas e investigativas, visando à obtenção de elementos probatórios relacionados a fato supostamente criminoso ou a organizações criminosas específicas.
No caso concreto, o ministro afirmou que, a partir dos fatos narrados, o agente policial teria sido inicialmente designado para coletar dados a fim de subsidiar a Força Nacional de Segurança em atuação estratégica diante dos movimentos sociais e dos protestos que ocorreram no Brasil em 2014. Todavia, houve, no curso da investigação, “verdadeira e genuína infiltração, cujos dados embasaram a condenação”.
O ministro observou que o policial não precisava de autorização judicial para, nas ruas, colher dados destinados a orientar o plano de segurança para a Copa do Mundo. No entanto, no curso dessa atividade, infiltrou-se no grupo do qual supostamente fazia parte a condenada e, assim, procedeu a investigação criminal para a qual a Lei 12.850/2013 exige autorização judicial. “É evidente a clandestinidade da prova produzida”, afirmou.
“O referido policial, sem autorização judicial, ultrapassou os limites da atribuição que lhe foi dada e agiu como incontestável agente infiltrado” afirmou Gilmar.
Segundo o relator, a infiltração ficou demonstrada ainda diante do ingresso do policial militar em grupo fechado de mensagens criptografadas criado pelos investigados para comunicação e de sua participação em reuniões do grupo com a finalidade de realizar a investigação. “Fragilizam-se completamente as premissas e, consequentemente, a caracterização da atuação do policial militar como agente de inteligência”, constatou.
“A partir do momento em que passou a obter a confiança de membros de um grupo específico e a obter elementos probatórios com relação a fatos criminosos concretos, o agente caracteriza-se como infiltrado, e isso pressupõe a autorização judicial que deveria ter sido requerida aos órgãos competentes”, completou.
Ainda de acordo com o ministro, as declarações do agente podem servir para orientar estratégias de inteligência, mas não como elementos probatórios de uma persecução penal.
Condenação se baseou no agente infiltrado sem decisão judicial
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Ainda segundo observou o relator, o policial, em seu depoimento, apontou Eloisa como uma das principais lideranças do movimento. “Da leitura da sentença, pode-se concluir que a condenação se pautou nos dados coletados pela infiltração perpetrada pelo policial militar”, observou.
“Ainda que o juízo tenha feito remissão a outras provas, vê-se que elas decorrem da clandestina infiltração do policial. Resta claro, portanto, prejuízo que impõe a declaração de nulidade da sentença”, completou Gilmar.
Por unanimidade, a Turma seguiu o voto do relator para declarar a ilicitude da infiltração policial e determinar o desentranhamento dos depoimentos do agente prestados à polícia e à Justiça, sem prejuízo de que o juízo de origem profira nova sentença baseada nas provas legalmente colhidas. Na prática, a acusação sofreu uma dura derrota e deve ver seu processo minguar para o arquivamento por falta de provas.
Manifestação pelos 23 ativistas presos é pauta histórica desses eventos
Afora a ilegalidade da infiltração do policial sem decisão judicial, a liberdade dos 23 é objeto de intensa mobilização no Rio de Janeiro desde que as prisões foram decretadas ainda em 2014.
Entre os argumentos que embasam a sensação de injustiça, estão a aleatoriedade das prisões, uma vez que muitos não tinham qualquer relação com os chamados atos de vandalismo, bem como a confusão entre advogado e advogada e investigados, algo amplamente violado no presente caso.
O advogado Igor Mendes, que chegou a passar meses preso, contou sobre o caso e sua passagem no presídio no livro “A pequena prisão”. Nesse vídeo você pode entender melhor o caso e o que ele representa:
Com informações da Assessoria de Comunicação do Supremo Tribunal Federal
Foto: Agência Brasil
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