Justiça

Pela primeira vez, turma do TST forma maioria para reconhecer vínculo entre Uber e motoristas

Dois ministros da Corte votaram a favor do entendimento, mas falta o voto de um magistrado; Uber protesta

Jornalista que virou Uber: “É difícil fugir da sensação de fracasso” (Foto: Agência Pública) Francisco Reis é jornalista e atualmente trabalha como motorista de aplicativo (Arquivo Pessoal)
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A 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho formou maioria a favor do reconhecimento do vínculo de emprego entre um motorista e a empresa Uber.

Em sessão realizada nesta quarta-feira 15, o relator do caso, Maurício Godinho, e o ministro Alberto Bresciani votaram por esse entendimento. O julgamento foi interrompido e deve ser concluído com a posição do ministro Alexandre Agra Belmonte.

Essa é a 1ª vez que uma Turma do TST, entre as oito no total, decide pelo reconhecimento do vínculo. Anteriormente, a 4ª e a 5ª Turma haviam negado esse entendimento.

O julgamento trata do caso de um homem que trabalhou como motorista do aplicativo entre julho de 2016 e março de 2018. Quando finalizado, a conclusão será levada à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais e pode representar um precedente para outros processos.

Os magistrados entenderam que há vínculo trabalhista porque os motoristas têm a necessidade de abrir uma conta no aplicativo, fornecer dados pessoais, estar sujeito a reclamações de clientes enviadas à empresa e ser monitorado por meio de algoritmos.

Em nota, a Uber declarou que vai aguardar o voto final para se manifestar, mas ressaltou que os votos já apresentados “representam entendimento isolado”.

A empresa disse ainda que provas produzidas no processo foram “desconsideradas” e que “os ministros basearam as decisões exclusivamente em concepções ideológicas sobre o modelo de funcionamento da Uber e sobre a atividade exercida pelos motoristas parceiros no Brasil”.

A companhia argumenta que o próprio motorista reconheceu que “não recebeu nenhum tipo de ordem, nem teve nenhum tipo de supervisão, nos 57 dias em que usou o aplicativo da Uber até ser descadastrado por violação aos Termos de Uso da plataforma – aos quais todos aderem no momento do cadastro”.

Para a Uber, não há vínculo trabalhista porque os “parceiros” possuem “plena autonomia para definir os dias e horários de trabalho e descanso” e que não recebem ordens nem precisam prestar relatórios de seus trabalhos.

Com a palavra, a Uber:

A Uber irá aguardar o voto do ministro Alexandre Belmonte para se manifestar sobre a decisão, mas no momento cabe esclarecer que os votos proferidos pelos ministros ​​Mauricio Godinho e Alberto Bresciani, da 3ª Turma do TST, representam entendimento isolado e contrário ao de todos os cinco processos julgados no próprio Tribunal – o mais recente deles no mês passado.

Nos votos, aparentemente, as provas produzidas no processo foram desconsideradas e os ministros basearam as decisões exclusivamente em concepções ideológicas sobre o modelo de funcionamento da Uber e sobre a atividade exercida pelos motoristas parceiros no Brasil.

Os ministros fizeram exposição citando temas relacionados ao constitucionalismo humanista, a filmes cinematográficos sobre a digitalização da sociedade e à reestruturação do sistema capitalista, porém pouco espaço foi dedicado às provas concretas do processo, como o fato do próprio motorista ter reconhecido, em depoimento à Justiça, que não recebeu nenhum tipo de ordem, nem teve nenhum tipo de supervisão, nos 57 dias em que usou o aplicativo da Uber até ser descadastrado por violação aos Termos de Uso da plataforma – aos quais todos aderem no momento do cadastro.

Essas provas foram analisadas pelo Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, que, fundamentado nelas, negou a existência de vínculo de emprego do motorista com a Uber tanto na primeira como na segunda instância, considerando que ele “possuía plena autonomia para definir os dias e horários de trabalho e descanso” e que “não recebia ordens nem precisava prestar relatórios de seu trabalho”.

Em sua exposição, os ministros também citaram decisões judiciais de outros países – algumas das quais já foram inclusive revogadas – na contramão do entendimento do próprio TST de que decisões estrangeiras não devem influenciar o Judiciário brasileiro por serem criadas em “ordens jurídicas absolutamente distintas”.

Jurisprudência

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 1.650 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma.

Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.

O próprio TST já afastou em cinco julgamentos a existência de vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em maio, a 5ª Turma afastou a hipótese de subordinação de um motorista com a empresa uma vez que ele podia “ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”.

Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla” do parceiro para escolher “dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.

Entendimento semelhante já foi adotado em outros dois julgamentos do TST em 2020, em fevereiro e em setembro. Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício” – a decisão mais recente neste sentido foi publicada em setembro.”

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