Justiça
O que se sabe sobre o vazamento de dados sigilosos de processos que envolvem crianças e adolescentes no TJ-SP
Nomes, idades e detalhes de atos infracionais aparecem em plataformas jurídicas, apesar do sigilo previsto em lei; o TJSP, porém, nega exposição indevida
Uma reportagem do G1, publicada nesta quinta-feira, 11, revelou um vazamento de dados sigilosos de processos que tramitam no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e envolvem crianças e adolescentes acusados de atos infracionais. Pela legislação, essas informações deveriam estar protegidas por sigilo absoluto. Ainda assim, segundo a reportagem, passaram a ser localizadas em sites jurídicos, permitindo a identificação dos jovens a partir de simples buscas na internet.
O problema veio à tona quando técnicos responsáveis por serviços de medidas socioeducativas perceberam que adolescentes acompanhados por eles estavam sendo publicamente identificados. Mesmo diante das evidências apresentadas, o TJSP negou que tenha havido exposição indevida de dados.
Para a Defensoria Pública de São Paulo, o caso é inédito e já produziu efeitos concretos sobre as vítimas. Segundo o órgão, os jovens afetados passaram a enfrentar demissões, abandono escolar e situações recorrentes de constrangimento. A Defensoria identificou ao menos 40 nomes expostos e avalia que o vazamento dá margem a indenizações, além da aplicação de multa que pode variar de três a vinte salários de referência.
As apurações indicam que o TJSP estaria violando legislações específicas de proteção ao sigilo, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao permitir que informações sensíveis — nomes, idades, endereços e detalhes dos atos infracionais atribuídos a adolescentes — apareçam em plataformas como Escavador e JusBrasil. Os relatos de exposição passaram a chegar de forma contínua ao Núcleo Especializado da Infância e Juventude (NEIJ), que hoje contabiliza mais de 50 casos confirmados.
Diante do cenário, a Defensoria notificou o Tribunal de Justiça de São Paulo, o Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Também levantou a hipótese de que a origem do problema esteja em um banco de dados nacional abastecido obrigatoriamente por todos os tribunais, como o sistema Códex, mantido pelo CNJ.
As respostas encaminhadas pelas instituições e publicadas pelo G1, no entanto, contestam a existência de vazamento.
TJSP
“O Tribunal de Justiça de São Paulo informa que foram instaurados expedientes administrativos na Presidência, com análise conduzida pelo Setor de Tecnologia da Informação, diante da notícia de eventual exposição indevida de dados de adolescentes vinculados a processos da Infância e Juventude. A apuração teve início após comunicações enviadas por magistrados e pelo Núcleo Especializado da Infância e Juventude (NEIJ), da Defensoria Pública do Estado.
As análises realizadas pela área de TI confirmaram que não houve vazamento de dados, falha no sistema informatizado ou irregularidade nas publicações. Os levantamentos indicam que as informações mencionadas estão sendo obtidas por meios externos, alheios à atuação do TJSP e de seus agentes, sem qualquer falha na guarda dos dados pelo Tribunal.
As conclusões obtidas até o momento foram encaminhadas ao Conselho Nacional de Justiça e à Defensoria Pública, para as providências que entenderem cabíveis. O TJSP esclarece que não pode agir de ofício para determinar a retirada de conteúdos eventualmente publicados por terceiros, sendo necessária a provocação judicial por parte dos órgãos ou interessados legitimados.”
CNJ
“Em 20 de agosto, a Corregedoria Nacional de Justiça pediu esclarecimentos ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em relação a suposto vazamento de dados de processos relativos ao cumprimento de medidas socioeducativas ou a atos infracionais em plataforma privada que reúne dados de processos judiciais.
A solicitação foi feita após o CNJ receber denúncia da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que relatou facilidade na identificação desses processos, em violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina o resguardo dos dados de menores de idade constantes em processos judiciais.
Em resposta, o TJSP informou que, após auditoria interna, não foram encontradas falhas, erros de procedimento ou disponibilização indevida de dados por parte do Tribunal. A corte afirmou ainda que a própria Defensoria teria identificado apenas dois casos de vazamento, ambos verificados pelo TJSP. Sobre esses episódios, o Tribunal levantou a hipótese de que a coleta indevida das informações tenha sido feita por pessoas com acesso legítimo aos processos, que teriam utilizado os dados para fins ilegítimos.
O presidente do TJSP sugeriu que apenas uma investigação mais aprofundada, possivelmente de caráter policial, poderá identificar a origem dos vazamentos. Diante disso, a Corregedoria Nacional de Justiça considerou que não foram apresentadas provas concretas de falha na proteção de dados que justifiquem, neste momento, a adoção de medidas mais severas.”
CartaCapital procurou o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Conselho Nacional de Justiça para obter mais informações, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
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