Justiça

Noruega: exemplo de políticas públicas para a igualdade de gênero

Em entrevista à CartaCapital, embaixador da Noruega explica políticas público-privadas adotadas no país que poderiam espelhar Brasil

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Uma das principais demandas dos tempos atuais, as políticas de igualdade de gênero no Brasil deram um passo para trás nos últimos anos, em especial no que se refere à composição de quadros de poder de decisão nas esferas públicas. Desde o governo de Michel Temer, passando agora por Bolsonaro, mulheres sequer ultrapassam 10% das pastas – e quando estão nos ministérios deixam longe a representatividade para aumento de espaço e promoção de políticas públicas de equidade. Nos governos estaduais, a tendência é a mesma. Dentre os 27 governadores, apenas uma mulher eleita: Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte. Da mesma forma, nas empresas privadas, mulheres em cargos de CEO ou mesmo na direção ainda são uma minoria e a diferença salarial entre homens e mulheres no setor chega a 53%, segundo pesquisas de sites de empregos.

Como se percebe, na contramão do mundo o Brasil tem retrocedido, enquanto a preocupação pela equidade de gênero toma conta de demandas de países de alto desenvolvimento humano. Já outros país que se encontram em estágio diferente por terem implementado políticas de equidade de gênero no passado, a presença de mulheres em cargos de poder no setor público, bem como em pelo menos 40% dos quadros de conselho de empresas de capital aberto, é algo naturalizado. Um exemplo que tem sido exportado para o mundo é a Noruega, país da Escandinávia que está no pódio de nações com maior índice de igualdade de gênero.

Dado o reconhecimento mundial no tema, a Noruega tem promovido um intercâmbio de quadros e ativistas de direitos humanos para falar sobre sua política de equidade de gênero. Em novembro de 2017, por exemplo, as colunistas da CartaCapital Djamila Ribeiro e Joanna Burigo visitaram o país a convite do governo, onde tiveram uma série de encontros com parlamentares e com organizações da sociedade civil e empresarial. A filósofa Djamila Ribeiro conta um pouco de sua experiência da Noruega:

“Quando estive na Noruega me reuni com o líder do partido conservador, que me disse que se não pensassem em políticas para incluir mulheres, os homens apenas contratariam os amigos com os quais jogam golfe no domingo. Repito: ouvi isso um político conservador”.

Já Joanna Burigo, especialista em mídia e gênero, explica o contexto do país:

“Desde a década de 60 foi implementado na Noruega o que eles chamam de “State Feminism” (Feminismo de Estado), que significa basicamente que políticas públicas propostas por mulheres que são feministas foram aceitas dentro do contexto político. E isso teve um impacto muito grande não apenas nas políticas públicas, mas na forma como a sociedade em geral se relaciona com questões de gênero”.

Embaixador concede entrevista à CartaCapital

Em entrevista à CartaCapital, Nils Gunneng, embaixador da Noruega no Brasil, falou sobre as políticas desenvolvidas no país e explicou que a equidade é uma questão huminatária, mas também é a percepção de que quando um país fecha oportunidades para praticamente metade da população, ao insistir na desigualdade de gênero, ele desperdiça enorme talento e potencial econômico.

“Para nós é muito importante usar todos os talentos disponíveis. E é claro que talento é igualmente distribuído, não há diferença entre talento nos homens e talento nas mulheres, então nós precisamos das mulheres na força de trabalho. Para conseguir isso precisamos assegurar que ambos trabalhem e tenham uma boa vida em família”.

Para garantir um bem-estar de todas e todos, Nils destaca as políticas públicas necessárias de uma boa pré-escola, bem como licença paternidade para mães e pais. Na Noruega, a licença parental (para pai e mãe) é de um total de 49 semanas, sendo que 15 semanas obrigatórias para a mãe. Ela tem que tirar as primeiras 6 semanas logo após o nascimento. O pai tem uma cota 15 semanas obrigatórias. Há um período comum de 16 semanas que os pais podem dividir como queiram, e até 3 anos da criança. Além disso, antes do nascimento a gestante tem que tirar 3 semanas de licença.

Para o embaixador, a bom desempenho profissional e cuidado das crianças e da família estão profundamente ligadas:

“Isso significa ter pré-escola para todos, o que agora nós temos. Significa garantir que mulheres tenham licença maternidade que seja longa o suficiente para cuidar do filho, mas também para voltar ao trabalho. Mulheres também precisam ter o direito de retornarem aos seus trabalhos, quando encerrada a licença maternidade”.

Confira a entrevista na íntegra:

Igualdade nas empresas e no poder público

“Acho que o fator mais importante para a igualdade de gênero quando se trata de negócios é a exigência na Noruega para que todos os quadros das empresas tenham 40% de mulheres” – afirma Nils.

O embaixador fala sobre a lei implementada nos Anos 90 pela Noruega que obriga que empresas de capital aberto destinem em seu conselho gestor pelo menos 40% dos cargos a mulheres. Nils recorda que à época a lei foi muito contestada, mas quando, cinco anos depois, foram entrevistar os políticos opositores a ela, todos já haviam mudado de ideia.

Nils destaca que segundo estudos europeus, o fato de a Noruega ter potencializado economicamente as mulheres por leis de equidade em empresas significou um crescimento maior na economia do país do que a descoberta e exploração de petróleo e gás na costa do país.

Vale dizer que a reserva de 40% das empresas também é esperada na esfera pública, embora não seja lei. Atualmente, a primeira ministra, a ministra das relações exteriores e da economia são mulheres. Além disso, destaca Nils, a população espera de qualquer governo, seja progressista ou conservador, a reserva de vaga, não sendo sequer uma questão em debate.

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