Legado de Dalmo Dallari é o de uma vida dedicada à democracia e aos direitos humanos

Em tempos de intensa polarização e forte tendência ao conflito, é preciso celebrar a trajetória, os ensinamentos, a luta e a força de um dos maiores homens públicos que já tivemos

(Foto: Roberto Navarro/Alesp)

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Ao mesmo tempo em que lamentamos, profundamente, a morte de Dalmo Dallari, professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, temos o dever de reconhecer e de registrar o seu significado para a nossa história, para o Direito, para a democracia e para os direitos humanos no Brasil. 

Muito além da sabedoria consignada em obras que, já de longa data, norteiam os estudos acadêmicos em faculdades de Direito por todo o País, o seu legado está, em especial, no incomum e no incansável compromisso público com os mais elevados valores humanísticos e democráticos.

Os manuais costumam nos ensinar que o Estado democrático de Direito está amparado em determinadas dimensões materiais e formais que costumam ser resumidas em supremacia da Constituição, democracia, República, separação das funções estatais e, por fim, em garantia dos direitos individuais e sociais. 

Dalmo Dallari comprometeu-se, para além da teoria jurídica, com transformações sociais e políticas

Atrevo-me a acrescentar, inspirado na trajetória de Dallari – e, em especial, na sua atuação em favor da democracia, da cidadania e dos direitos humanos – que as possibilidades e o futuro do Estado democrático de Direito e da própria vida em sociedade também dependem, igualmente, do compromisso, da coragem e da sabedoria de homens públicos que convertem a sua vida em favor do incondicional enfrentamento do autoritarismo e da opressão.

Dalmo Dallari comprometeu-se, para além da teoria jurídica, com transformações sociais e políticas, fincando-se na história brasileira como maestro de várias gerações e como farol de transformações, de integridade e de caráter. A vasta produção científica e a intensa vida acadêmica do jurista foram acompanhadas de uma incansável luta em favor da democracia e dos direitos humanos, tendo, inclusive, enfrentado, como poucos, a ditadura militar de 1964.

Às obras Elementos de teoria geral do Estado, O Estado federal e Constituição e constituinte somam-se, dentre muitas outras, Direitos humanos e cidadania, Que são direitos da pessoa?, A constituição na vida dos povos e O futuro do Estado, atestando seu erudito compromisso não apenas com a teoria jurídica, com a pesquisa científica e com as lições acadêmicas, mas também com a função do Direito enquanto concreto elemento de transformação à serviço dos elevados e inegociáveis valores de justiça e de igualdade. 


Em tempos de intensa polarização e da forte tendência ao conflito e à divergência, ao invés do sentimento de tristeza e de angústia que o luto naturalmente nos traz, é preciso celebrar a trajetória, os ensinamentos, a luta e a força de um dos maiores homens públicos que já tivemos. Se a sua partida representa uma imensa perda e uma irreparável falta para nossa comunidade jurídica e para o país, o grande jurista e o ser humano eternizam-se. 

A retidão e o incondicional compromisso democrático de Dalmo Dallari seguramente nos deixam, nesse momento, a convicção de que não há ofício senão regido por valores e nos meandros da vida em sociedade, de que não há carreira acadêmica senão enquanto instrumento de transformação e, por fim, de que não há democracia senão através do compromisso com a formação e com o alargamento do solo comum e da relação de pertencimento.

A inspiração do jurista, do professor, do pesquisador, do ator social e político e, principalmente, do ser humano Dalmo Dallari nos deixa a esperança de que o maior legado que alguém pode deixar é o de uma vida dedicada à defesa de democracia e dos direitos humanos.

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