Justiça

Justiça absolve líder de movimento por moradia acusada de extorsão

Ministério Público havia acusado coordenadora do MSTC de ter enriquecido com dinheiro arrecadado na ocupação do antigo hotel Cambridge

Entrada do prédio do antigo hotel Cambridge, o centro de São Paulo. Hoje, ocupado por movimento que luta por moradia.Crédito: Paulo Pinto/ Fotos Públicas Entrada do prédio do antigo hotel Cambridge, o centro de São Paulo. Hoje, ocupado por movimento que luta por moradia.
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O Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu nesta terça-feira, 29, Carmen da Silva Ferreira, coordenadora do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) da acusação de extorquir moradores que vivem na ocupação do antigo hotel Cambridge, localizado na região central da capital paulista. Segundo a denúncia do Ministério Público, ela teria enriquecido com as taxas cobradas daqueles que vivem no edifício.

A ação, movida pelo MP-SP, foi baseada no depoimento de duas moradoras que tiveram suas identidades preservadas no processo. O juiz Marcos Vieira de Moraes, responsável pela decisão, entendeu que a promotoria não conseguiu comprovar os delitos.

Uma das supostas vítimas havia dito que estava sendo forçada a pagar mais de 15 mil reais para o movimento, sob a ameaça de ser despejada caso não repassasse esse valor. Ela também chegou a afirmar que teria sido ameaçada de morte, assim como seus familiares.

Durante as audiências destinadas a recolher depoimentos, foram ouvidas as duas vítimas, sete testemunhas de acusação e 11 testemunhas de defesa, além da acusada, que foi interrogada.

Na decisão, o magistrado constatou que as provas da acusação eram conflitantes e nada conclusivas. Além disso, os depoimentos das testemunhas contradisseram em vários momentos o que foi relatado pelas supostas vítimas de extorsão e ameaça.

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“A prova oral produzida em juízo é frágil e insuficiente para demonstrar que a acusada se apropriou indevidamente de valores arrecadados das vítimas ou outros ocupantes do edifício. As vítimas e testemunhas de acusação apenas acusaram Carmem, mas não trouxeram nenhum elemento concreto de prova”.

O juiz destacou que, do outro lado, a defesa da coordenadora do movimento “anexou aos autos notas fiscais e atas de assembleias demonstrando a destinação das contribuições individuais que cada família deveria pagar para suportar as despesas mensais do edifício”.

Puxão de orelha

Em sua decisão, o magistrado criticou o trabalho da Promotoria paulista. “O Ministério Público, a fim de demonstrar o suposto desvio de dinheiro e enriquecimento ilícito, poderia pleitear a quebra de sigilo fiscal e bancário da acusada, visando verificar movimentação suspeita de valores em sua conta bancária ou acréscimo desproporcional de seu patrimônio pessoal. Todavia, nada foi requerido nesse sentido”, diz a sentença.

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Na decisão, o juiz ressalta que Carmen demonstrou a origem de sua renda mensal e que nenhum enriquecimento suspeito foi demonstrado.

Criminalização frustrada

De acordo com Ariel de Castro Alves, um dos advogados de Carmen, “os promotores que a acusaram visavam criminalizar os movimentos de moradia, que buscam assegurar o direito de moradia previsto na Constituição Federal, dando utilidade às propriedades abandonadas por especuladores imobiliários nos centros urbanos”.

Alves destacou ainda que as contribuições, comumente cobradas e acordadas entre os moradores da ocupação, são importantes para a manutenção do edifício, tanto em relação a segurança como higiene. “As contribuições coletivas são essenciais nas ocupações para a manutenção dos locais ocupados, com reformas, limpezas, projetos habitacionais e segurança, inclusive para evitar tragédias como a que ocorreu no ano passado na ocupação do edifício Wilton Paes, no largo do Paissandu”.

O juiz Moraes corrobora. “Edifício abandonado há tempos, como o hotel Cambridge em estado de deterioração, exige, para torná-lo habitável por famílias, gastos significativos e reformas básicas, como pintura, limpeza, consertos no sistema de eletricidade e fornecimento de água, extintores de incêndio, etc… Para isso, considerando o tamanho do prédio e o número de ocupantes, obviamente seria necessário o esforço de todos os ocupantes, inclusive com o pagamento de contribuições mensais ordinárias e extraordinárias”, afirmou na sentença.

A ocupação do antigo hotel virou filme em março de 2017. A ‘Era do Hotel Cambridge’ reuniu atores e não-atores para contar a história de moradores sem teto que ocupam o prédio abandonado, mostrando as ameaças de despejos promovidas pelo Estado.

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