Justiça

Juristas apresentam manifesto para que Lula indique uma mulher negra ao STF

O presidente tem a tarefa de substituir Ricardo Lewandowski em maio e Rosa Weber em outubro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foto: Mauro Pimentel/AFP
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Movimentos de juristas apresentaram um documento à Presidência da República, na quarta-feira 8, em que reivindicam a indicação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal.

O texto é assinado por cem entidades, entre elas a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, o Instituto Marielle Franco, a Coalizão Negra por Direitos, o Grupo Prerrogativas, o Coletivo de Defensoras e Defensores pela Democracia e a Universidade do Estado da Bahia, a Uneb.

As organizações apresentam a reivindicação diante da oportunidade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá de indicar um nome para substituir Ricardo Lewandowski em maio. O ministro vai se aposentar. Além dele, a ministra Rosa Weber deixará o posto em outubro deste ano.

No texto, intitulado Manifesto por Juristas Negras no Supremo Tribunal Federal, os juristas reivindicam que o sistema de Justiça brasileiro deve ter “o máximo de espelhamento das diversidades humanas do povo” e que, diferentemente disso, há “interdição às mulheres negras da ocupação de vagas no Supremo Tribunal Federal”.

Eles argumentam que o STF nunca teve uma mulher negra e afirmam que “não há razoabilidade” para esse cenário. A Corte foi criada em 1891 e só teve uma mulher a partir de 2000, quando Ellen Gracie tomou posse. Atualmente, Carmen Lúcia e Rosa Weber são as únicas, ao lado de nove magistrados homens.

Além disso, o STF só teve três pessoas negras em sua história: Pedro Augusto Carneiro Lessa, a partir de 1907; Hermenegildo Rodrigues de Barros, a partir de 1919; e Joaquim Barbosa, a partir de 2003.

“Evidentemente, há muitas mulheres negras com notório saber jurídico e reputação ilibada, que assim preenchem os requisitos constitucionais para serem ministras do STF”, diz um trecho do manifesto (veja íntegra ao fim da matéria).

Os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial) defendem abertamente a indicação de uma mulher negra para a Corte.

Porém, nem o manifesto, nem os ministros mencionam um nome publicamente. Um membro de um dos movimentos que assinam o documento afirmou a CartaCapital que “pode ser que esse momento chegue”, ao se referir à mobilização em torno de um nome.

Quando André Mendonça foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo, os movimentos de juristas fizeram uma mobilização semelhante pela indicação da professora Soraia Mendes, uma mulher negra.

À época, diziam que se tratava de uma “anticandidatura” e que era previsível que Bolsonaro não acataria a sugestão. Era uma candidatura de protesto contra um quadro “terrivelmente evangélico”.

Agora, a avaliação é de que a conjuntura está mais propícia para que essa demanda seja atendida de fato.

Além de Soraia Mendes, outro nome já levantado para uma disputa no Judiciário é o de Vera Lúcia Santana de Araújo, indicada em lista tríplice para uma vaga no Tribunal Superior Eleitoral, em 2022. A jurista foi a primeira mulher negra a constar na lista, porém, também não foi escolhida por Bolsonaro.

Em entrevista recente à rádio BandNews FM, Lula afirmou que “todo mundo compreenderia” se o indicado fosse Cristiano Zanin, advogado que o defendeu na Operação Lava Jato. A declaração ampliou a impressão pública de que Zanin seria um dos favoritos ao cargo. Ele, no entanto, seria mais um homem branco na Corte.

Veja manifesto na íntegra

MANIFESTO POR JURISTAS NEGRAS NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A construção histórica do Brasil registra recorrentes interrupções na formação de sua identidade democrática, sobressaindo forte traço autoritário que remete à mais longeva escravização das Américas, cujo autoritarismo é intrínseco ao mais radical sistema de exploração humana.

Sob tal perspectiva, a última década já está marcada por um profundo déficit democrático – um processo de impeachment sem cometimento de crime de responsabilidade ganhou a forma política de golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, culminando com a prisão e banimento do ex-presidente Lula da vida política pela via de falseado processo judicial desmascarado somente após o êxito eleitoral do projeto político manifestamente descolado do arcabouço constitucional democraticamente consagrado pela Constituição Federal de 1988.

Sim, para além de proclamar a República Federativa em um Estado Democrático de Direito, o Preâmbulo da Constituição cidadã assenta estar o Brasil “(…) destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (…)”.

Decorridos trinta e quatro anos de vigência da Carta de 1988, podemos asseverar que a missão primordial do país está longe de ser atingida; os níveis de desigualdades sociais impõem concluir que os agentes políticos não se ajustaram aos preceitos constitucionais na consecução de macropolíticas desenvolvimentistas,retroalimentando um país absolutamente perverso com seu povo e que mantém instituições do sistema de justiça que contribuem sobremaneira para a reiteração das iniquidades e que impedem o exercício da cidadania, o respeito à dignidade humana, como princípio fundante da República, de 56% da população da população brasileira, que é negra, conforme o IBGE.

Ao mesmo tempo, à luz da ordem internacional com a qual o Brasil se compromete, citamos o último documento firmado, em 2022, com a promulgação da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, além dos compromissos programáticos com os Objetivos de Desenvolvimento Social (ODS), de onde extraímos o Objetivo 16: “Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.

Embora cogentes as normas do direito interno e internacional, as ações já intentadas se mostram insuficientes e incapazes de realizar a equidade no acesso às oportunidades, especialmente quando se trata da ocupação de espaços de poder nas esferas legislativa, executiva e judiciária, ganhando dimensões ainda mais graves de exclusão quando a intersecção discriminatória articula as categorias de raça e gênero, demonstrando persistente e mesmo sistemática exclusão das mulheres negras na partilha e gestão dos poderes.

Sobre o sistema de justiça que buscamos, elevando a qualificação da prestação jurisdicional do Estado, também a composição dos órgãos deve guardar consonância com a diversidade da população ou, noutros termos, há que se ter o máximo espelhamento das diversidades humanas do povo da Nação que se quer construir. Dentre as ausências que arranham a capacidade de percepção da realidade posta à apreciação jurídica estatal, sobressai a efetiva interdição às mulheres negras da ocupação de vagas no Supremo Tribunal Federal. Embora conte com a presença de mulheres desde o ano 2000, não há razoabilidade para que jamais uma jurista negra tenha tido assento na Corte Suprema do Poder Judiciário.

Nesse momento em que empreendemos a reconstitucionalização do país, emerge a singular oportunidade de supressão dessa lacuna reveladora da baixa intensidade da democracia brasileira. Evidentemente, há muitas mulheres negras com notório saber jurídico e reputação ilibada, que assim preenchem os requisitos constitucionais para serem Ministras do STF. Ademais, muitas são também comprometidas com o espírito emancipatório e progressista inerente à nossa Constituição Federal e com os direitos de trabalhadoras e trabalhadores em geral, foco desse Governo de Reconstrução. Na certeza de que a atuação jurídica de mulheres negras permite a oferta de um rol que reúne os atributos constitucionais e a legitimação social que deve ser cotejada pelo Presidente da República para levar sua indicação ao Senado Federal, as entidades subscritoras sustentam a pertinência da indicação de juristas negras para ocupar vagas de ministras no Supremo Tribunal Federal!

Brasília/DF, 08 de março de 2023

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