Justiça
Juiz manda Ricardo Nunes mudar nomes de ruas que homenageiam figuras da ditadura em SP
A decisão dá 70 dias para que a gestão do emedebista apresente um cronograma de modificação


O juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, mandou o prefeito Ricardo Nunes (MDB) alterar o nome de 11 vias e locais públicos da cidade que homenageiam expoentes da ditadura militar.
A decisão, assinada nesta sexta-feira 13, foi tomada no âmbito de uma ação movida pela Defensoria Pública em parceria com o Instituto Vladimir Herzog, que leva o nome de um jornalista assassinado por agentes da repressão em 1975. Até o momento, a prefeitura de São Paulo não comentou a ordem judicial.
Na lista de ruas e espaços cujos nomes devem ser alterados estão a Marginal Tietê, a Ponte das Bandeiras, um centro esportivo da zona sul e o crematório da Vila Alpina, o mais antigo do País. O documento dá 70 dias para que a gestão do emedebista apresente um cronograma de modificação dos nomes.
Para o magistrado, a administração municipal tem sido omissa por mais de dez anos ao não dar início à “renomeação desses espaços públicos em cumprimento ao direito à memória política que se associa ao regime democrático e à dignidade da pessoa humana”.
“O direito à memória política assegura a conscientização da sociedade dos momentos que o poder lhe foi subtraído, as vezes e os meios pelos quais a opressão ascendeu. A compreensão da violência do Estado e dos abusos dos agentes públicos consubstanciam um direito essencial de construção da democracia, valorização da dignidade da pessoa humana e resistência ao autoritarismo.”
O juiz ressaltou na liminar a “ampla e sólida” fundamentação jurídica que impõe o reconhecimento do direito à memória política associado à democracia e ao Estado de Direito. Ele mencionou um relatório da Comissão da Memória e Verdade que mapeou 38 locais que homenageiam pessoas ligadas à ditadura na capital paulista.
Fonseca Pires enfatizou que o direito à memória política deve ser respeitado e promovido pelo Estado, que deve “fomentar políticas públicas para a formação de uma consciência crítica sobre a essencialidade da democracia e a defesa intransigente da dignidade da pessoa humana”.
Veja os endereços cujos nomes a prefeitura tem de mudar:
- Crematório municipal da Vila Alpina: homenageia um diretor do serviço funerário do município que viajou à Europa para estudar sistemas de cremação no auge das práticas de desaparecimento forçado. No mesmo período, corpos exumados foram clandestinamente enterrados na vala de Perus, segundo o MPF.
- Centro Desportivo situado na Rua Servidão de São Marcos: atribuído ao general chefe do Centro de Informações do Exército, de novembro de 1969 a março de 1974, que liderou a Operação Marajoara no Araguaia;
- Marginal Tietê: homenageia o marechal do Exército e ex-presidente que foi uma das lideranças do golpe de Estado de 1964 e criou o Serviço Nacional de Informações, fundamentou perseguições políticas, torturas e execuções;
- Ponte das Bandeiras: faz homenagem, aprovada pela Câmara Municipal em 2017, ao ex-senador e ex-diretor do Departamento de Ordem Política e Social, órgão da repressão política durante a Ditadura Militar;
- Rua Alberi Vieira dos Santos: homenageia um ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, colaborador do Centro de Informações do Exército, com participação em massacres, armação de emboscadas e chacinas de resistentes, detenções ilegais, execuções, desaparecimento forçado de pessoas e ocultação de cadáveres;
- Rua Dr. Mário Santalucia: homenagem a médico que integrou o Instituto Médico Legal e teve participação em caso de emissão de laudo necroscópico fraudulento;
- Praça Augusto Rademaker Grunewald: faz referência ao vice-presidente entre 1969-74, sob o governo Emílio Médici, o período mais intenso de repressão, censura e cassação de direitos civis e políticos;
- Rua Délio Jardim de Matos: faz referência ao integrante do gabinete militar da Presidência da República do governo Castelo Branco e foi um dos principais articuladores do movimento que promoveu o golpe de Estado de 1964;
- Avenida General Enio Pimentel da Silveira: nomeada em referência a militar que serviu no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna do I Exército de abril de 1972 a junho de 1974 e teve participação comprovada em casos de tortura, execução e desaparecimento forçado;
- Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior: nomeada em homenagem a um delegado de polícia com participação em casos de tortura e ocultação de cadáveres;
- Rua Trinta e Um de Março: faz referência ao dia do golpe civil-empresarial-militar.
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