Justiça

Jean Wyllys, sinônimo de luta e dignidade

Parlamentar anuncia estar fora do país e põe fim ao grande mandato de luta pelos direitos humanos

Foto: Antônio Augusto/ Câmara dos Deputados Foto: Antônio Augusto/ Câmara dos Deputados
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Sinto-me sinceramente vivendo naquelas mais estereotipadas versões de República das Bananas. Fico imaginando o que Eduardo Galeano diria dos tempos presentes, onde o belo é o desrespeito, o ódio. A lógica parece ser o caos, como nas palavras de meu pai Roberto Tardelli, “os mais perplexos ainda se perguntam se o que estamos vendo corresponde à realidade ou algo maior e mais engenhoso se desenha por trás, em uma necessidade da existência de um plano maior e mais ambicioso, algo genial e ao mesmo tempo simples, que desse um sentido lógico a esse espetáculo delirante que tem sido acompanhar a estreia desse (des)governo”. Do que se vê na classe política dominante, o belo é ser burro, não saber nada de nada.

O belo é vender tudo, dilapidar o que é do Estado para os bilionários ficarem mais bilionários, enquanto salários ficam mais precários, sem bem estar, sem tempo. Parlamentar que vota homegeando torturador confesso é considerado belo. O belo parece ser o Brasil passar vergonha atrás de vergonha. Aqui dentro das fronteiras, é atraso após atraso. A última foi após ser ameaçado, difamado, perseguido por apoiadores e pela própria família Bolsonaro, o deputado federal Jean Wyllys anunciou estar fora do país e abdicou do mandato. Mais uma etapa rumo ao fundo do poço, o qual parece não ter fim, foi vencida. É lamentável e revoltante que o parlamentar tenha passado por isso, bem como tenha que lidar com o baixo nível de pessoas orgulhosas de sua truculência. Deseducadoras, pessoas irresponsáveis que nunca apoiaram qualquer coisa que desse algo ao povo além de armas.

O mandato de Jean Wyllys chega ao fim tendo sido muito rico em histórias. Eu mesmo já tive diferenças quentes em alguns momentos, pelas quais me desculpo no que me excedi, mas, porém, entretanto penso ser o momento de exaltar os laços políticos em comum do que exaltar diferenças. Como o Brasil se tornou um enorme vídeo da Damares, dizer o óbvio: Jean Wyllys sozinho vale mais do que incontáveis parlamentares reacionários que votaram sim naquela pavorosa tarde de impeachment. Parlamentares que votam tempo após tempo por mais desigualdades, que acham belo serem bestiais. Jean representou muita esperança e inspiração, veio do BBB, de identificação com o público que não tem ideia do que é debatido na bolha e poderia ter tranquilamente vivido uma vida sem comprometimento político algum como tantos fazem. Foi um diferencial nas redes sociais e nas gerações que amadureceram vendo-o em lutas épicas no Congresso. Jean aturou muito e teve uma conduta nobre em ambiente de extrema baixaria, sendo apenas um em mais de quinhentos parlamentares, dos quais uma maioria de homofóbicos. Quantas “piadas” sobre gay não devem ter sido feitas. Quantos encontrões. Quantas hostilidades. Muita gente perdeu sua sensibilidade, pois está aplaudindo os valentões do colégio que intimidam por pirraça e que não querem o bem de ninguém, a não ser o deles próprios. Quem vota em pessoas assim precisa se repensar. Jean Wyllys, em seu mandato de oito anos, resistiu dignamente e, ao fazê-lo, inspirou muitos a fazerem o mesmo. Um leão, tanto antes como depois do golpe de estado de 2016. Talvez por isso seja tão detestado pelos valentões, pelos pastores e pelas ovelhas.

E para além do como ele foi enquanto parlamentar, é preciso denunciar a situação política no Brasil. Não é possível que agências internacionais que tanto discutem “democracia” em lugares do mundo como a Venezuela, não questionem o que está acontecendo por aqui nos últimos anos. Quantos sinais de alerta e violações mais vão precisar? Não começou hoje, mas perdemos mais o tempo vendo noticiário falar da democracia na Venezuela do que aqui no Brasil. O impeachment por pedaladas olhado agora soa ainda mais como deboche.

Vale dizer que a partir do momento em que Bolsonaro, presidente, comemora nas redes uma declaração de auto-exílio, enquanto figura pública ele chancela a decisão e transforma o que era “auto” em um exílio consentido e celebrado. Como sempre tem sido, a fala é tida como um “mal entendido”. No país do deboche e da falta de transparência, um presidente pode fazer o impensável e se cobrir de fumaça em seguida. Um ex-capitão do exército que falava bobagens no CQC e não consegue um discurso de mais de cinco minutos e cuja família mostrou ser íntima de miliciano e cuja esposa não consegue explicar um cheque do motorista em sua conta. Esse é o presidente do país. Vergonha maior do que os tempos presentes será difícil de ser superada.

Desejo sorte a Jean Wyllys e que no exílio seja feliz e encontre a paz que muitas vezes deve ter faltado nos últimos anos. Que seu novo caminho seja de brilho e que signifique o despertar de consciência pelos direitos humanos de muitas pessoas que se encontram adormecidas, como também seja gasolina para muitas e muitos que quem resistem em tempos políticos tão brutais.

Brenno Tardelli é editor de justiça na CartaCapital. Foi diretor de redação do Justificando e advogado ativista de direitos humanos.

Foto: Antônio Augusto, Câmara dos Deputados

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