Justiça

Filhos separados de pais com hanseníase vão à ONU denunciar Brasil

Comunicação à Relatoria Especial da ONU integrará relatório mundial sobre hanseníase

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Na última semana, o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) encaminhou comunicação oficial às Nações Unidas, denunciando a negligência do Estado brasileiro em relação aos graves danos causados a aproximadamente 16.000 filhos que foram separados de pais com hanseníase entre as décadas de 20 e 80 no Brasil.

Para entender o caso, vale destacar um dos marcos legais da política de isolamento foi a Lei nº 610, de 1949, que orientava a separação compulsória e imediata dos recém-nascidos de seus pais isolados por hanseníase, doença vulgarmente conhecida como lepra. “O que aconteceu nas antigas colônias por meio da política higienista do Estado brasileiro foi uma das mais amplas alienações parentais já executadas no Brasil”, afirma o advogado e integrante da coordenação nacional do Morhan, Thiago Flores. Hoje, estimativas oficiais apontam que mais de 14 mil filhos separados estão vivos.

Essa política assumiu, desde o início, caráter essencialmente discriminatório. Sob pretexto de evitar o contágio de outras pessoas, o isolamento compulsório foi adotado sistematicamente, mesmo existindo, à época, indicações científicas que não recomendavam o isolamento.

Em 1941 foi descoberta a eficácia da sulfona para o tratamento da doença, mas mesmo com esse avanço médico o isolamento compulsório permanecia sendo praticado sistematicamente. Essa política foi endurecida pela Lei n. 610 de 1949, que previa a internação compulsória em leprosários das pessoas doentes que não pudessem prover os recursos necessários para sua subsistência (internação em razão de pobreza) e até de pessoas que apresentassem estigmas impressionantes de lepra (critério exclusivamente discriminatório).

O Estado brasileiro efetuou o pagamento de uma indenização às pessoas que foram isoladas compulsoriamente pela Lei 11.520/07, mas não propôs nada para os filhos separados. Além de ações junto ao Executivo e ao Legislativo, em 2017 o MORHAN iniciou um diálogo com os filhos para construir uma ação coletiva de abrangência nacional no Judiciário. Em dezembro de 2017 foi iniciada uma ação civil pública, em trâmite na 4ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo (autos n. 027109-19.2017.4.03.6100).

Para a equipe jurídica responsável pela ação civil pública e pela denúncia à ONU, composta pelos advogados Pedro Pulzatto PeruzzoBrenno Tardelli (editor de Justiça na Carta Capital), Thiago Flores (diretor jurídico do MORHAN), Bruna ZaparoliJuliana Simonassi, além do acadêmico de direito Enrique Pace Flores, a denúncia internacional tem o propósito de ampliar as vias de diálogo e negociação com o governo brasileiro. Afirmam que não se trata de uma medida para descredenciar o Poder Judiciário, pois não se trata, ainda, de um recurso a um Tribunal Internacional, mas uma forma de fortalecer as decisões que tomadas no âmbito do Poder Judiciário recorrendo à cooperação internacional.

Pedro Pulzatto Peruzzo explica que tem muita esperança tanto na ação civil pública como na denúncia pra ONU, lembrando que avanços importantes vêm sendo obtido, como a promulgação de uma lei no estado de Minas Gerais para indenizar os filhos daquele estado. Peruzzo explica que o Brasil se vinculou à ONU pela incorporação formal da Carta das Nações Unidas. A vinculação do Brasil à ONU significa a necessidade de observância não apenas dos tratados incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro de acordo com a Constituição e as orientações jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal, mas também a necessidade de observar os princípios e a ética universal que orientam as relações globais de cooperação no âmbito da Organização, como a Resolução 65/215 de 2011 da Assembleia Geral da ONU, que trata da eliminação da discriminação contra pessoas afetadas pela hanseníase e seus familiares e que se refere ao conjunto de princípios constantes na Resolução 15/10 de 2010 sobre o tema. Um desses princípios diz que uma criança não deve ser separada de seus pais por causa da hanseníase.

Foto: internada em Hospital Tavares Bastos, RJ, local que já serviu de hospital-colônia durante a época do isolamento compulsório das pessoas com hanseníase

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