Justiça

Corpo de Mãe Stella de Oxóssi será velado no Afonjá, decide Justiça

Decisão da Justiça da Bahia garante procedimentos religiosos do candomblé, religião da qual mãe Stella foi líder por mais de quarenta anos.

Mãe Stella de Oxóssi. (Foto: Raul Golinelli/GOVBA
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Mãe Stella de Oxóssi, histórica iyalorixá da Bahia falecida na última quinta-feira desse ano, será transferida para Salvador e será sepultalda conforme os rituais do candomblé, região da qual foi líder no Ilê Axé Opô Afonjá por mais de 40 anos. A questão estava sob forte tensão após a recusa da companheira de mãe Stella pelo enterro em Salvador, onde fica o Afonjá e foi resolvida por meio de decisão liminar da magistrada Caroline Rosa de Almeida Velame Vieira, titular da comarca de Nazaré/BA, cidade em que sua companheira pretendia sepultá-la.

A ação foi movida pela Sociedade Cruz Santa do Axé Opô Afonjá, representada por José de Ribamar Feitosa Daniel, bem como por Edite Santos de Andrade, Iyakekerê do Afonjá. Os advogados Hédio Silva e Basílio Silva teriam proposto a ação, segundo informações preliminares, e argumentaram que era fundamental para as convicções religiosas de Mãe Stella que seu corpo passasse pelo momento do axexê:

O axexê é o momento religioso de desligamento do corpo físico de um iniciado no culto dos orixás para que se desvincule do plano material, tornando-se um ancestral. Nos ritos de religião de matriz africana, o sepultamento e o ritual do axexê é fundamental, sobretudo, para uma líder religiosa, para tal desiderato é necessário que seu corpo físico, mesmo que morto, esteja dentro do espaço religioso no qual foi sacralizado, no caso de Mãe Stella de Oxóssi esse lócus é o terreiro do Ilê Opô Afonjá, localizado no bairro de São Gonçalo do Retiro.

A decisão foi concedida em medida liminar e na sua técnica haveria de estarem justificados o fumus boni iures (fumaça do bom direito em latim), isto é o sinal aparente de justa causa da ação, como o periculum in mora (perigo da demora em latim), consistente no fim do objeto da ação no caso de demora por solução. Segundo a juíza, nesse sentido:

Presente o fumus boni iures da pretensão do Autor, visto a iminência do sepultamento na cidade de Nazaré e, incontroverso é também o periculum in mora, foto que, a não realização do ritual religioso, importará no sepultamento da Iya Stella de Oxossi, medida irreversível, o que porá em risco continuidade dos ritos religiosos da sociedade autora.

A magistrada prosseguiu sobre o direito da de cujus (expressão que significa a companheira(o) em juridiquês) em face do interesse social e proteção do patrimônio histórico e cultural da religião de matriz africana, ponderando pela proteção à violação do exercício da religião, da qual era líder, de forma que seria irreversível:

Não havendo nos autos prova de manifestação da ‘de cujus’ de lugar de preferência de local sepultamento, pelo melhor interesse social, é possível mitigar o direito de disponibilidade da família da ‘de cujus’, sobrepondo-se a proteção do patrimônio cultural, entendo que se deve conceder à comunidade o exercício do culto religioso, ante a supremacia do princípio que aqui seria violado, de forma irreversível, do exercício livre da religião da qual a Iya Stella de Oxossi era líder, bem como a proteção do patrimônio histórico e cultural do exercício da religião de matriz africana.

O caso estava sendo aguardado pela comunidade jurídica. Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil, seção da Bahia, já havia se manifestado por meio de sua Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa: “Mãe Stella de Oxóssi faz jus a todas as honras reservadas a uma sacerdotisa de sua grandeza, de acordo com a tradição que durante tantos anos observou, ensinou e conferiu ampla publicidade. Assim, a prima facie, o conjunto de elementos próprios ao cerimonial fúnebre nos termos da profissão de fé da liderança religiosa deve ser rigorosamente respeitado, em consideração à memória e empenho sobre-humano da religiosa em testemunhar da religião de matriz africana de forma sensível e translúcida”

Confira a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia na íntegra

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