Justiça
Como foi o 1º dia de julgamento do núcleo 2 da trama golpista
A análise do caso continuará na próxima terça-feira 16, com a leitura dos votos
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal encerrou nesta terça-feira 9 o primeiro dia de julgamento do núcleo 2 da tentativa de golpe de Estado. O grupo é acusado de monitoramento de autoridades, de omissão no 8 de Janeiro de 2023 e de usar a Polícia Rodoviária Federal para impedir que eleitores fossem às urnas votar em 2022, sobretudo em áreas onde Lula (PT) despontava como favorito.
A análise do caso continuará na próxima terça-feira 16, com a leitura dos votos. O primeiro a se pronunciar será o relator, Alexandre de Moraes, seguido pelos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino. Eles decidirão se absolvem ou se condenam os acusados.
Trata-se da última etapa do julgamento, após a conclusão das audiências de testemunhas e dos interrogatórios dos réus.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, reiterou o pedido de condenação dos seis acusados. “É certo que os denunciados neste processo aderiram aos propósitos ilícitos da organização criminosa e contribuíram para os eventos penalmente relevantes em apreço.”
A denúncia enquadra os réus nos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
“É evidente a contribuição decisiva que proporcionaram para a caracterização dos crimes denunciados, valendo-se de suas posições profissionais relevantes e conhecimentos estratégicos”, acrescentou Gonet.
Confira as imputações a cada réu:
Marília Alencar (delegada, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e da Segurança Pública do DF)
A PGR alega que Marília coordenou o emprego das forças policiais para sustentar a permanência ilegítima do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder. De acordo com a denúncia, ela é uma pessoa-chave na tentativa de manipulação do resultado eleitoral mediante o uso indevido do aparato de força do Estado.
A denúncia aponta que, em 2022, ela encomendou um projeto de Bussiness Inteligence para mapear o eleitorado, filtrando resultados de votação expressiva para Lula, então candidato de oposição, a fim de direcionar ações policiais e restringir a manifestação democrática nos redutos eleitorais do adversário.
Para a PGR, Marília foi omissa e recusou-se a tomar medidas para prevenir os atos antidemocráticos, optando por permitir a escalada do caos social.
Fernando de Sousa Oliveira (delegado da Polícia Federal)
De acordo com a PGR, Oliveira coordenou o emprego das forças policiais na tentativa de manipulação do resultado eleitoral, sendo responsável por alinhar as ações planejadas no grupo “em off” com Marília.
Gonet citou uma troca de mensagens em que Oliveira respondeu entusiasmado a Marília sobre a necessidade de virar votos: “52 contra 48. São 5 milhões de votos para virar”.
O procurador-geral entendeu que quando Oliveira era secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal no 8 de Janeiro de 2023, sua conduta revelou conivência com o plano golpista ao optar pela inércia e pela omissão no exercício das funções básicas, sem adotar as providências necessárias mesmo ciente da escalada de violência.
A PGR refuta sua alegação de que foi pego de surpresa pela viagem de então secretário Anderson Torres e que por isso não teve tempo para elaborar um plano de contenção dos atos golpistas.
Silvinei Vasques (ex-diretor-geral da PRF)
Segundo alega a PGR, no exercício da função pública, Silvinei aderiu à organização criminosa para promover a permanência de Bolsonaro no poder por meio da utilização da estrutura da PRF para impedir o resultado legítimo das urnas.
Em reunião ministerial realizada em 19 de outubro de 2022, ele afirmou que havia chegado a hora de a PRF “tomar lado na disputa”, conclamando o engajamento nas operações do segundo turno, especialmente no Nordeste, diz a PGR.
As investigações apontam que Silvinei elaborou um novo plano de trabalho, antes do segundo turno, que incluía fiscalização do transporte de passageiros para dificultar o acesso de eleitores considerados perigosos.
Mário Fernandes (general da reserva do Exército)
O general, segundo a PGR, ficou responsável por coordenar as ações de monitoramento e neutralização de autoridades públicas, em conjunto com Marcelo Câmara. As investigações apontam que ele coordenou as ações mais violentas, minutando as ações de neutralização e os planos de estruturação do novo governo de exceção.
Além disso, os indícios apontam que ele realizou a interlocução com as lideranças populares ligadas ao 8 de Janeiro. Em reunião ministerial realizada em 5 de junho de 2022, sugeriu um prazo para o TSE acatar mudanças no sistema eleitoral.
O acusado confirmou a autoria de uma carta endereçada ao general Freire Gomes, então comandante do Exército, rejeitando o resultado das urnas e clamando pela atuação das Forças Armadas.
Marcelo Câmara (coronel da reserva)
As investigações da PF encontraram indícios de que Câmara era responsável pela obtenção de informações sensíveis e sigilosas para Bolsonaro. Em conjunto com Mário Fernandes, coordenou as ações de monitoramento de autoridades, principalmente do ministro Alexandre de Moraes.
Câmara colocou-se a serviço da organização, colaborando ativamente para ações disruptivas, diz a PGR. As ações de monitoramento incluíam o registro e descrição de todos os movimentos de Moraes, que era apontado como a autoridade a ser neutralizada, e o envio das informações a Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro.
Filipe Martins (ex-assessor especial da Presidência)
O réu apresentou e sustentou o projeto de decreto que romperia com as instituições democráticas, em um documento intitulado “discurso31-10”, conforme a acusação.
As investigações indicam que ele exerceu o papel de redator e teve participação ativa na formulação dos fundamentos que justificariam o golpe de Estado. Análise de extratos (herb) revelaram movimentações significativas para apresentação e elaboração do documento a Bolsonaro.
Em depoimento, Cid confirmou que Martins era um dos mais radicais do grupo, que Bolsonaro recebeu dele a minuta do decreto do golpe e que ele a apresentou aos comandantes das Forças Armadas.
O outro lado
Saiba o que disseram as defesas de cada acusado:
Fernando de Sousa Oliveira
A defesa alega ausência de sua participação nos crimes e diz que as provas dos autos não confirmam a acusação.
No 8 de Janeiro, sustentam os advogados, agiu profissionalmente, determinando prisões e instaurando um gabinete de crise. Outro argumento é que o réu seria um profissional estritamente técnico e que chegou ao Ministério da Justiça antes da gestão do bolsonarista Anderson Torres.
Filipe Martins
A defesa argumenta que as investigações se basearam em supostas irregularidades e que seu cliente é inocente.
Nega que ele tenha escrito ou apresentado a “minuta do golpe”, contrariando a versão inicial do tenente-coronel Mauro Cid — que, segundo a defesa de Martins, teria induzido a erro Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal e STF.
Para a defesa, registros manuscritos de entrada no Palácio da Alvorada foram forjados por Cid para incriminá-lo na participação em reuniões golpistas. Os advogados confirmam que Martins escreveu um discurso para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas não para contestar o resultado eleitoral.
Marcelo Câmara
A defesa afirma que o coronel da reserva era assessor especial e desempenhava funções meramente administrativas, como logística e segurança de encontros, e não fazia parte de um núcleo de inteligência.
Os advogados usam a delação de Cid para tentar inocentar seu cliente, sustentando que Câmara sequer respondia a todas as mensagens do tenente-coronel.
Segundo a defesa, Câmara usava telefone funcional, não escondia suas ações e só atendia a demandas de Cid se estivessem em linha suas atribuições, como o pedido sobre rotas de autoridades para a diplomação. A defesa nega a participação do coronel nas reuniões que planejavam a chamada minuta do golpe.
Marília Alencar
Ela é acusada de ser um instrumento do então diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, nas barreiras policiais do segundo turno e de ter se omitido na tentativa de golpe.
Segundo a defesa, o objetivo de levantar dados usados pela PRF no segundo turno de 2022 seria verificar a atuação do crime organizado durante o pleito.
Quanto ao 8 de Janeiro, o advogado afirmou que Marília começou a montar células de inteligência poucos dias antes, quando foi nomeada, mas os fatos se desenrolaram com muita rapidez.
Mário Fernandes
A defesa nega a participação dele na impressão da minuta golpista, apesar de a denúncia apontar que Fernandes, o tenente-coronel Rafael Martins e Mauro Cid estariam no mesmo local onde o documento foi impresso em 6 de dezembro de 2022.
Também contesta a versão de que o general teria ido a um encontro para discutir a minuta naquele dia e refuta a alegação de que ele entrado em contato com Cid sobre o tema.
Silvinei Vasques
A defesa alega não haver provas concretas, como fotos ou filmagens, de ilegalidades nos bloqueios da PRF no dia do segundo turno e diz que não houve ordem para subordinados bloquearem as vias.
Contesta, ainda, o argumento do Ministério Público Federal de que a presença da PRF impediu eleitores de votar.
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