Justiça
Como a discussão sobre passaporte diplomático de líderes religiosos chegou ao STJ
Caso concreto envolve documento concedido a R.R. Soares, mas ministro faz considerações amplas sobre o tema


O ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin atestou que o Poder Judiciário tem autonomia para analisar a legalidade da concessão de passaporte diplomático a líderes religiosos, apesar de o benefício partir do governo federal.
No caso concreto, o ministro avaliou o pedido de um advogado contra o passaporte diplomático concedido em 2016 pela União ao missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, e à esposa dele.
Benjamin apontou perda de objeto do processo, uma vez que o documento expirou em junho de 2022 e não houve pedido de renovação. O magistrado optou, porém, por fazer algumas considerações sobre o mérito da ação, em decisão assinada na última terça-feira 20.
A ação contra o passaporte diplomático de R.R. Soares foi acolhida pela primeira instância, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região reformou a decisão, sob o argumento de que o Judiciário não deve intervir na análise sobre a concessão do documento a lideranças religiosas.
Segundo o ministro, não se trata de negar a possibilidade de conceder o documento – inclusive a R.R. Soares -, mas é necessário demonstrar concretamente qual “interesse do País” se protegerá com o ato. Esse seria o “único modo de aferir se, realmente, está atendida a finalidade do ato administrativo”.
“Uma vez que o ato administrativo questionado (emissão de passaportes diplomáticos) se deu com desvio de finalidade e motivação deficiente, de rigor seria sua cassação, tal como decidido na sentença de primeiro grau”, avaliou Benjamin. “Contudo, a União informou que os recorridos não mais possuem passaporte diplomático e que tampouco há pedido de renovação de emissão do documento.”
O acórdão do TRF-3 mencionava que o fato de a igreja de R.R. Soares ter “mais de 1.000 templos no Brasil e presença em mais de 30 países” serviria, em tese, para justificar o passaporte diplomático a todas as autoridades religiosas.
Benjamin, por sua vez, discordou: “A concessão de passaporte diplomático para qualquer líder religioso com base, estritamente, no número de templos no território nacional e no exterior — em argumentação vaga, genérica e teórica acerca de suposto e eventual interesse do País que nem sequer é identificado ou especificado, e sem vinculação alguma com a necessidade da proteção adicional conferida pelo passaporte diplomático, também não esclarecida — vulnera os fins normativos, além de evidenciar a ausência de motivação adequada”.
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