Justiça
A opinião do MPF sobre a gratificação a policiais do Rio que ‘neutralizarem’ criminosos em operações
O parecer do órgão diz que a proposta encabeçada por bolsonaristas na Alerj é inconstitucional e viola o direito fundamental à segurança pública
O Ministério Público Federal recomendou ao governador Cláudio Castro (PL) que vete um projeto aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro com previsão de gratificar policiais civis responsáveis por “neutralizar” criminosos em confronto. O parecer, enviado na última sexta-feira 26, diz que a proposta é inconstitucional e viola o direito fundamental à segurança pública.
A bonificação consta em uma emenda apresentada por deputados bolsonaristas no texto que trata da reestruturação das carreiras da Polícia Civil. O trecho aprovado retoma a chamada ‘gratificação faroeste’, que vigorou entre 1995 e 1998, e permite adicionais de 10% a 150% sobre os salários quando agentes apreenderem armas de grande calibre ou de uso restrito, ou “neutralizarem” criminosos em operação. Nos bastidores da Alerj, discute-se estender o benefício também a policiais militares.
No documento, o procurador Júlio Araújo Júnior, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, afirma que a emenda aprovada na Alerj tem vícios de iniciativa, já que a concessão de gratificações deve ser proposta pelo Executivo. A medida, também segundo o procurador, descumpre ainda decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal no bojo da ADPF das Favelas. Além disso, o órgão entende que o pagamento de bônus por mortes estimula o uso excessivo da força e aumenta a letalidade, sem comprovação de impacto positivo na segurança.
“Há um evidente favorecimento do incremento da letalidade policial, contrariando a alegação do Estado do Rio de Janeiro no STF de que havia cessado o ‘estado de coisas inconstitucional’ na segurança pública”. Segundo o MPF, “a evocação da letalidade policial como fator de promoção da segurança pública carece de qualquer comprovação, além de gerar efeitos contrários ao prometido. Ao estimular esse tipo de atuação, o Estado do Rio de Janeiro pode levar o Brasil a nova responsabilização internacional por violações de direitos humanos”.
Caso o texto seja mantido pelo governador, a bonificação precisaria ter uma regulamentação da gestão Castro para começar a valer. Em caso de veto, uma nova votação na Alerj dará a palavra final sobre a medida. A emenda foi aprovada com 45 votos favoráveis e 17 contrários, na última terça-feira 23. O chefe do Executivo estadual ainda não se pronunciou sobre o tema.
Em outra frente, o subprocurador-geral da República Nicolao Dino, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, também defendeu a inconstitucionalidade da “gratificação faroeste”. “A concessão de incentivo pecuniário para ações letais não constitui política pública baseada em evidências; ao contrário, tende a aumentar a violência e a insegurança, em afronta ao dever do Estado de adotar medidas progressivas de efetivação de direitos”, declarou o representante do MPF.
A referida bonificação foi extinta após denúncias de que o benefício incentivava execuções sumárias. Anos depois, alguns policias conseguiram na Justiça reaver o benefício atrelado ao salário. Um deles foi o ex-PM Ronnie Lessa, conforme revelou o jornalista Rafael Soares no livro Milicianos (2023). O assassino da vereadora Mariele Franco foi promovido a sargento em 1998 por “ato de bravura” e teve os vencimentos acrescidos de um bônus de 40% em duas promoções em três meses, baseadas no decreto da “gratificação faroeste”.
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