Justiça

A Justiça na Encruza: 2020 foi ano de protagonismo de juristas negras

Professora Chiara Ramos escreve sobre o avanço da Abayomi Juristas Negras no cenário nacional

Abayomi Juristas Negras
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É tempo de caminhar em fingido silêncio, e buscar o momento certo do grito”.

Começamos 2020 com esses versos proféticos de Conceição Evaristo, que nos dizia que era tempo de formar novos quilombos, em qualquer lugar que estivéssemos. É verdade que já tínhamos o nosso Abayomi (encontro precioso) em Pernambuco, mas precisávamos descobrir quem eram as demais juristas negras desse país. Era preciso ampliar a nossa rede, diminuir a nossa solidão institucional e, sobretudo, multiplicar a nossa potência.

Assim o fizemos, e podemos dizer que 2020 foi um ano disruptivo no sistema de justiça brasileiro e isso se deve, em grande medida, ao aquilombamento das mulheres negras que lutam por equidade racial e justiça social diariamente, enquanto advogadas, procuradoras, juízas, promotoras, defensoras públicas, professoras etc.

Se quando uma mulher negra se movimenta, toda estrutura social se movimenta com ela, imaginem o que acontece quando um grupo de mulheres negras potentes se articula e retoma estratégias ancestrais para combater o racismo institucional de dentro para fora do sistema. A verdade é que nós colocamos a justiça brasileira na encruzilhada, locus sagrado de encontros, de caminhos e de transformação.

Nosso trabalho atende pessoas negras de todo o país e vem sendo reconhecido por várias organizações. Na última terça-feira recebemos a notícia de que ficamos em 2º lugar no “Desafio Nacional Lideranças Públicas Negras”, direcionado às iniciativas que promovem a cultura de equidade racial, gerando a ampliação da entrada e/ou crescimento profissional de pessoas negras nas instituições do país, tendo ficado atrás da ENAJUD, Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros.

 

Ao todo, recebemos 5223 votos de pessoas que apostam no propósito transformador da Abayomi, coletiva que faz parte de um movimento muito maior, o movimento de juristas negras, cujos passos vêm de muito longe, somando algumas conquistas na luta por direitos.

Uma das grandes vitórias que podemos estampar foi a aprovação das cotas raciais no sistema OAB, no percentual extremamente representativo de 30% e com implementação para a eleição de 2021. Aquilombadas e articuladas, lutamos incansavelmente pela equidade racial e pela paridade de gênero. Ganhou a advocacia brasileira. Venceu a justiça. Celebremos nós.

Compomos a Comissão de Juristas instituídas pela Câmara dos Deputados, com o objetivo de propor estratégias normativas para o aperfeiçoamento da legislação de combate ao racismo institucional e estrutural no país. Também estivemos no movimento que institucionalizou o debate sobre o racismo no Poder Judiciário, com o protagonismo de mulheres negras magistradas nesse processo.

Ganhamos com esse espaço conquistado na CartaCapital e em outros veículos de comunicação. Ganhamos a cada evento realizado por desobediência epistêmica, a cada retratação, a cada retificação e a cada reconhecimento das nossas demandas. Também conseguimos a retificação do edital de seleção de mestrado e doutorado em Direito da UFPE para inclusão de cotas raciais. Vitória de um movimento articulado por 14 entidades negras pernambucanas, que protocolaram ofícios reivindicando a implementação desta política afirmativa e forçando a UFPE a reconhecer que o enegrecimento da academia é um imperativo!

Mas temos muito o que fazer e continuaremos a transformar de dentro para fora, com mais juristas, professoras/es negras/os, mais produção acadêmica negra, mais livros jurídicos de acadêmicas/os negras/os, inspirando todas as próximas gerações para que encontrem nas salas de aula e bibliotecas a representatividade que não tivemos no nosso processo de formação. Vai ter preta com mestrado e doutorado, sim. Doa em quem doer.

Somos insurreitas e vamos continuar a desobedecer, senhoras e senhores. Estamos nos libertando dos quartinhos de empregada, senzalas dos tempos atuais, dos papéis de subalternidade que em algum momento rascunharam como sendo o nosso espaço e estamos escrevendo bilhetes como este para cada um/a de vocês, dizendo: é tempo de reterritorializar.

A coisa está ficando preta, graças aos nossos orixás, pois fomos nós que vimos a crueldade bem de frente e ainda produzimos milagres de fé no extremo ocidente, como diz Caetano.

Os nossos passos vêm de longe.

Nunca foi sorte, sempre foi Exú.

Mojubá, Laroyê.

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