Entrevistas

Casagrande: ‘A maioria dos jogadores perdeu a identidade e esqueceu suas raízes’

Em entrevista a CartaCapital, o comentarista e ex-jogador comenta o recrudescimento da violência política e o sucesso do bolsonarismo entre as estrelas do futebol moderno

Um dos expoentes da Democracia Corintiana, movimento dos anos 1980 pelo fim da ditadura militar, Casagrande defende um renascimento do movimento (Foto: Divulgação)
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O ex-jogador Walter Casagrande Junior sempre foi um ponto fora da curva no futebol brasileiro. Ainda muito jovem, nos anos 80, foi um dos expoentes da Democracia Corinthiana, movimento pelo fim da ditadura militar. Depois, apoiou a campanha pela anistia e as Diretas Já.

Ao longo de 25 anos como comentarista da Rede Globo, Casão sempre se posicionou politicamente – inclusive durante as transmissões esportivas. Se há 40 anos ele empunhava, ao lado de Sócrates, a bandeira do voto direto, hoje não esconde a preocupação com o recrudescimento da violência política e o sucesso do bolsonarismo entre as estrelas do futebol moderno. “A maioria dos que jogam no exterior perdeu sua identidade, esqueceu suas raízes. São milionários e não veem motivo algum para o país mudar”, afirmou a CartaCapital.  

Confira os destaques a seguir.

CartaCapital: O Brasil vive uma fase onde a violência, o preconceito, o desrespeito às instituições democráticas fazem parte do dia a dia. Somos uma Nação dividida pelo ódio. Que país é este Casão? 

Walter Casagrande: É revoltante. Jair Bolsonaro, além de destruir a Amazônia, quer dizimar os povos indígenas, quer tirar o poder das instituições, é contra a educação, saúde, cultura, entre tantas outras coisas. Também quer destruir os princípios e os valores da nossa sociedade. E essas pessoas, comandados por ele, estão carregados de ódio, com armas nas mãos. Entretanto, o Brasil é lindo, o povo brasileiro é maravilhoso e conseguiremos reverter esse mal que tomou conta do nosso país nos últimos quatro anos. 

CC: Quase todos os jogadores de futebol brasileiros têm origem pobre. Por que tantos se omitem diante dos dilemas sociais?

WC: A maioria dos jogadores, principalmente os que jogam no exterior, perdeu a identidade e esqueceu suas raízes. São milionários e não veem motivo algum para o país mudar. Essas caras são egoístas e só pensam neles, mas temos exceções: Paulinho, do Bayer Leverkusen e Richarlison, do Tottenham. Esses dois sabem muito bem de onde vieram e não perderam as suas raízes. Mas não podemos esperar nada bom de jogadores totalmente alienados, como Neymar, Thiago Silva, Lucas Moura, Daniel Alves. Eles apoiam um governo fascista, perverso e não apresentam argumentos cabíveis para isso. 

CC: Neymar manifestou apoio ao ex-capitão. Justificou a atitude como “gratidão e valores de família”. Prometeu comemorar um gol na Copa fazendo o número 22. 

WC: Acho que os valores e os princípios do Neymar são os mesmos do Bolsonaro. A família que o Bolsonaro defende é branca, racista, homofóbica, machista, não respeita as mulheres. Tem preconceito com o povo do nordeste; quer destruir a Amazônia, quer dizimar os povos indígenas. Enfim, a família, que Bolsonaro defende, é assim. Pressuponho que os apoiadores dele têm esses péssimos princípios e valores. 

CC: Neymar enfrentou um problema com a Receita Federal no Brasil e foi recebido por Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes. A dívida de R$ 188 milhões teria sido perdoada em 95%. Agora, na Espanha, se debate com o mesmo problema na Receita espanhola.   

WC: Neymar não se preocupa minimamente com o povo brasileiro. Num país que tem mais de 30 milhões de pessoas passando fome, a preocupação dele é com o abatimento dos seus impostos. Enquanto a população mais pobre, não tem essa opção. É um ser ganancioso.  

CC: Faz falta ao futebol brasileiro um novo modelo de “democracia corintiana”? 

WC – O que falta são jogadores conscientes, participativos, com opiniões. Principalmente contra a fome, desmatamento, garimpo ilegal, proteção aos povos indígenas, contra as armas e para isso precisa existir uma Democracia Corinthiana, porque esses são os principais valores de uma sociedade da qual eles fazem parte. 

CC: Os clubes brasileiros têm investido muito nos jogadores de base. Não seria o caso de, além do futebol, dar a eles preceitos de cidadania, direitos e responsabilidade social? 

WC: Claro, com absoluta certeza! Aula de cidadania, história da política brasileira e acompanhamento psicológico.

CC: Você afirmou que “não tem nada mais político que o futebol”. O esporte e a política devem caminhar juntos? 

WC: Não é que deve ou não deve; se pode ou não pode. Desde o começo da história esportiva, o esporte caminha de braços dados com a política. É uma coisa natural e tivemos diversos exemplos desse envolvimento. Olimpíadas e Copas do Mundo sempre tiveram influência política.

CC: Afonsinho, ex Botafogo e Santos, foi o precursor na luta pelos direitos e pela justiça no futebol. Anos depois, Sócrates, Vladimir, você e outros combateram a ditadura militar. Qual a fórmula para ressuscitar este espírito no futebol contra o fascismo, a violência, o preconceito e as desigualdades sociais?  

WC: Não existe uma fórmula para mudar um fascista para ser um democrata. Há necessidade de conhecimento histórico. A maioria dos jogadores não sabe o que é democracia e o que é fascismo, porque se soubessem, não seriam fascistas.

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