Entrevistas
MST criticará quando o governo estiver ‘medroso’, mas o defenderá dos inimigos, diz Stédile
‘Se o governo se antecipar e conseguir áreas para assentar, melhor. Se não conseguir, a turma continuará ocupando’, diz o líder do movimento a CartaCapital
Principal liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile voltou a afirmar que pode fazer críticas quando o governo Lula estiver “lerdo e medroso”, mas disse que uma das linhas políticas do MST é defender a gestão petista de seus “inimigos”.
As declarações foram concedidas em entrevista a CartaCapital nesta terça-feira 25, durante uma visita a Aracaju. À noite, Stédile participa de uma mesa redonda na Universidade Federal de Sergipe, promovida por lideranças de movimentos sociais do campo.
“Nosso papel é ser sempre zelador dos interesses do povo. Naquilo que o governo fica lerdo, medroso, não toma iniciativa, nossa obrigação é criticar”, defendeu. “Temos moral para criticar porque nós ajudamos a eleger, então ele é o nosso governo.”
Alvo da CPI do MST, Stédile ainda disse que o objetivo da comissão é desgastar o governo. No início deste mês, os deputados aprovaram um requerimento de convocação para ouvi-lo na condição de testemunha. A data da audiência, porém, ainda não foi definida.
“Eu irei depor, não cometi nenhum crime, não tenho medo”, pontuou. “O verdadeiro objetivo da CPI é atacar o governo, criar constrangimentos para impedir o avanço da reforma agrária, mas, sobretudo, para eles mesmos [os bolsonaristas] se defenderem.”
Stédile também declarou ver com naturalidade as articulações de legendas do Centrão para abocanhar mais espaço no governo e ponderou que eventuais ocupações de terra acontecerão, a depender da atuação da gestão Lula para acelerar a política de reforma agrária.
Confira a seguir:
CartaCapital: Qual a avaliação dos sete primeiros meses do governo Lula? O MST criticou a lentidão na execução da reforma agrária…
João Pedro Stédile: Nós temos feito uma reflexão a nível geral. Compreendemos a natureza do governo, que é um governo de frente ampla, que tem uma composição bem ampla. Mas o nosso papel é ser sempre zelador dos interesses do povo. Naquilo que o governo fica lerdo, medroso, não toma iniciativa, nossa obrigação é criticar.
Nós temos dito claramente ao governo que o MST tem uma linha política de defender o governo Lula dos seus inimigos: o capital financeiro, o Banco Central, as transnacionais, os latifúndios. Temos que ter autonomia e temos moral para criticar, porque nós ajudamos a eleger, então ele é nosso governo.
Todo movimento popular deve ter autonomia em relação ao governo, ao Estado, à igreja. E a nossa missão – está no nosso DNA – é organizar o povo para lutar pelos seus direitos. Vamos continuar nessa linha de forma permanente.
CC: Lula tem dialogado com muitos setores, alguns alheios às reivindicações do MST, como o agro. É possível conciliar esse tipo de aproximação?
JPS: Na agricultura existem dois modelos do capital. Há um do agronegócio predador, que vai na natureza, na Amazônia, em todos os biomas e tenta se apropriar da natureza para ganhar dinheiro. E também temos o agronegócio que usa muita tecnologia, produz riquezas, mas só exporta commodities e não produz alimentos.
Uma parte continua burra, não se dá conta de que esse modelo de monocultivo e agrotóxico não tem futuro. A outra apoiou Lula ainda na campanha, representada pelo ministro [Carlos] Fávaro na Agricultura.Felizmente, o agronegócio está dividido. Então, temos diálogo com esse setor e esperamos que ele evoluam ainda mais para nos ajudar a pensar na agricultura do futuro, que produza alimentos saudáveis, pare de usar agrotóxicos e respeite a natureza.
CC: Qual a sua avaliação sobre a política do Incra em relação à reforma agrária?
JPS: A reforma agrária vem com um passivo muito grande, porque está parada há oito anos, praticamente desde o segundo mandato da Dilma [Rousseff]. O MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário] foi extinto. Agora, o governo Lula recriou e está tentando arrumar a casa no Incra. Apenas Alagoas não está resolvido, mas todos os demais superintendentes do Incra representam as forças que apoiaram Lula no primeiro turno.
O problema não é quem irá assumir a superintendência, o problema é que a casa tinha virado uma tapera velha. Então, nós levamos seis meses até agora… Daí a lentidão, não tem recursos, não tem funcionários. Vai levar um tempo para ajustar a máquina pública e começar a aplicar as políticas de que o povo precisa.
CC: O senhor pretende depor à CPI do MST ou irá ao STF para não ser obrigado a comparecer?
JPS: Eu irei depor. Não cometi nenhum crime, não tenho medo. Agora, a CPI não é contra o MST, e sim contra o governo Lula, contra a esquerda. O requerimento foi didático: eles não colocaram que a convocação seria porque apoiei as ocupações na Bahia, mas porque eu sou de esquerda. Isso é o meu orgulho, ser de esquerda.
O verdadeiro objetivo da CPI é atacar o governo, criar constrangimentos para impedir o avanço da reforma agrária, mas, sobretudo, para eles mesmos se defenderem. Porque os dois dirigentes da CPI, Tenente-Coronel Zucco [presidente da comissão] e Ricardo Salles [relator], estão incriminados na CPMI do 8 de Janeiro.
A Abin revelou que os dois teriam financiado as delegações que foram a Brasília [no dia da invasão bolsonarista aos Três Poderes]. Eles estão atuando de forma prévia para tentar um palco para se proteger das investigações e ao mesmo tempo falar com suas bases. Se não fosse a CPI do MST, eles sequer teriam espaço para isso.
CC: Recentemente, o MST realizou ações em diversos estados, o que rendeu críticas de ministros. Há previsão de novas ocupações neste ano?
JPS: Isso depende muito do local. Nós temos 80 mil famílias acampadas. Algumas estão em cima de latifúndios, outras estão na estrada. Isso não é uma decisão nacional, não tem data marcada. Tanto é que ontem uma turma do acampamento de Goiás voltou a ocupar uma área no estado.
Vai depender da conjuntura local: a área é boa pra acampar? Boa para agricultura? Como é o governo local? É uma decisão dos próprios acampados. O ritmo das ocupações não é questão de estatística. Sempre haverá ocupação de terra. Ora, se o governo se antecipar e conseguir áreas para assentar, é melhor. Se não [se antecipar], a turma continuará ocupando.
CC: PP e Republicanos se articulam para abocanhar mais espaço no governo e miram pastas comandadas por mulheres. Como analisa essa movimentação?
JPS: São coisas normais da política. Infelizmente, os partidos políticos no Brasil não têm nenhuma coerência nem ideologia. Eles se movem por interesses.
Acredito que o governo fez a sua própria análise e se deu conta de que precisa dos votos do Centrão para não emperrar. Então, provavelmente deve entregar mais alguns ministérios. É o modus operandi da política institucional.
CC: A inelegibilidade de Bolsonaro abriu uma discussão sobre o futuro do bolsonarismo e a articulação da esquerda em 2026. Qual a sua avaliação sobre esse cenário?
JPS: Eu não gosto de usar a expressão “bolsonarismo”, porque isso induz a pensar que é uma corrente de pensamento, uma doutrina. A corrente de pensamento na política é o fascismo, é o nazismo, que eles querem esconder. A extrema-direita brasileira é fascista. Ela tem o centro da sua ação política baseada na violência, na discriminação, no ódio.
O Bolsonaro foi usado pela burguesia. Ele é um pateta, não tem dinheiro, não tem base social. Quem colocou ele lá foi a burguesia. Tanto é que parte da burguesia se aliou ao Lula e deixou ele a ver navios. Na sociedade brasileira, é óbvio que vai continuar – como sempre existiu – uma parcela que é de extrema-direita, influenciada pelas ideias fascistas.
CC: E como se combate isso?
JPS: Acho que a maior tarefa do governo Lula e da esquerda é não bater boca com essa parcela da extrema-direita. Eles sempre existiram. A nossa tarefa é convencer os pobres trabalhadores que votaram no Bolsonaro de que eles estavam errados. Isso não se dá pela retórica. A única maneira de atrair novamente a classe trabalhadora para um projeto de desenvolvimento é fazer políticas para tirar os trabalhadores da pobreza.
Então, tem que ter uma política séria de reindustrialização, de geração de emprego e renda, universalização da educação. Levar cirandas infantis às periferias para que as mães solteiras possam deixar os filhos e ir trabalhar. O governo vai combater o fascismo se provar que é possível resolver os problemas materiais. Naturalmente, a classe trabalhadora vai se dar conta disso.
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