Entrevistas

Eventos climáticos extremos no Brasil serão mais frequentes, alerta Carlos Nobre

Em entrevista a CartaCapital, o pesquisador sênior defende um ‘Minha Casa, Minha Vida Sustentável’ após desastre no litoral norte de São Paulo

O cientista Carlos Nobre participa do seminário 'Prontos para o tempo, preparados para o clima'. Foto: José Cruz/Agência Brasil
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Ante o reiterado descumprimento das metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, os desastres naturais serão cada vez mais severos e frequentes. Essa é a avaliação do professor Carlos Nobre, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe.

“Esses eventos são consequência do aquecimento global. A gente pode falar que eventos dessa natureza poderiam acontecer de um a dois no século, mas agora está acontecendo mais de um por ano”, alerta.  

No Brasil, ocorreram diversos eventos extremos nos últimos meses, o mais recente deles no litoral norte de São Paulo. Conforme o balanço mais recente, 50 pessoas morreram em decorrência de fortes chuvas na região. Em 2022, houve episódios semelhantes na Bahia e em Minas Gerais.

Na avaliação de Carlos Nobre, o principal desafio a curto prazo é garantir que a população tenha acesso a casas em regiões seguras, a fim de não ter de retornar ao local dos deslizamentos. 

“É muito importante que prefeitura, governo estadual e governo federal não deixem essas pessoas voltarem para áreas de alto risco, busquem soluções temporariamente em algum lugar e rapidamente construam um Minha Casa, Minha Vida para todas essas pessoas”, diz o pesquisador. 

O ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, afirmou nesta quinta haver a previsão de liberar mais de 120 milhões de reais aos municípios atingidos pelas chuvas no litoral norte paulista.

O Observatório de Remoções, coordenado pelo LABCIDADE da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, porém, alerta que faltam respostas sobre quais famílias serão removidas, para onde e por quanto tempo.  

Confira os destaques da entrevista com Carlos Nobre:

CartaCapital: As chuvas no litoral de São Paulo são o resultado de uma crise climática no Brasil?

Carlos Nobre: Esses eventos são consequência do aquecimento global. Quando a gente pega o século passado, provavelmente só tem dois registros [em 1967]: um na Serra das Araras e outro em Caraguatatuba, um em janeiro e o outro em março. Na medida em que o de Caraguatatuba foi muito grave, matando mais de 450 pessoas, a gente pode falar que eventos dessa natureza poderiam acontecer de um a dois no século, mas agora está acontecendo mais de um por ano.

E por que que aumentou a frequência desses eventos extremos? O aquecimento global. Por exemplo, esses têm a ver com muita chuva, com o fato de que o ar está mais quente. A evaporação aumenta muito no mar e o vapor d’água é combustível para a chuva, então chove muito. Também o aquecimento global está gerando condições em que se batem muitos recordes. Essas chuvas no litoral norte de São Paulo, de sábado para domingo… Não há nenhum medidor que tenha registrado tanta água em tão pouco tempo, mais de 600 milímetros em 9 horas. 

Essas são duas características: os eventos extremos estão aumentando em frequência e também recordes de eventos climáticos.

CC: Outros eventos extremos podem acometer o Brasil?

CN: O que se pode dizer com certeza é que esses eventos extremos vão acontecer com mais frequência e também os recordes vão ser quebrados em todo o mundo. Difícil é prever quando vão ocorrer. 

CC: Quais foram os principais erros dos países nos últimos anos em relação ao aquecimento global?

CN: O maior erro é o fato de que todas as tecnologias de redução de emissões já desenvolvidas, como as energias renováveis, já são expansíveis em escala global e são as formas mais baratas de gerar eletricidade, mas a velocidade em que se expandem ainda é pequena. 

O total de energia renovável na matriz energética global é muito pequeno para você eliminar as emissões da queima de combustíveis fósseis. Então, esse é o grande desafio. Hoje, a tecnologia para reduzir e zerar as emissões já existe, por exemplo, na agricultura, que responde por quase 30% das emissões globais. Você já tem a chamada agricultura degenerativa, que emite muito menos. Isso tudo é factível, a ciência já avançou muito, mas a velocidade de implementação dessas soluções é muito lenta

CC: Como o Brasil deve investir em energias renováveis para ajudar a mitigar os impactos do aquecimento global? 

CN: O Brasil tem o maior percentual de geração de energia e fontes renováveis. Nos últimos inventários, o País fica na faixa de 18% a 20% das emissões dos gases de efeito estufa, que é a queima de combustíveis fósseis. Grande parte disso não é nem geração da energia elétrica, é da frota de veículos. 

O Brasil tem pouca eletrificação da frota de veículos. E tem uma grande vantagem na eletrificação: se você eletrifica toda a frota de ônibus das cidades brasileiras, principalmente das grandes cidades, você evita dezenas de milhares de mortes por ano que acontecem no Brasil devido à poluição. Isso tem um impacto muito positivo para a saúde das pessoas.

CC: O que impede os países de cumprirem, por exemplo, as metas do Acordo de Paris?

CN: O mais comum é o fato de que a indústria fóssil mundial é muito poderosa economicamente. Do PIB mundial, 17% vem da indústria fóssil. Então, essa indústria tem um poder econômico e político gigantesco.

Por mais que todas as empresas de petróleo e carvão natural digam que vão reduzir as emissões, até agora a velocidade da redução é praticamente zero, porque as emissões continuam a aumentar globalmente. 

O grande desafio é como fazer com que a indústria de geração de energia rapidamente se transforme para energias renováveis com velocidade. Segundo o Acordo de Paris, nós tínhamos de reduzir em 50% as emissões de todos os gases até 2030. Isso parece muito difícil, porque a indústria de combustíveis fósseis continua muito poderosa e não parece que ela fará por iniciativa própria uma redução em 50% até 2030.

A ciência é muito clara, mas eles são poderes econômicos tão fortes que continuam, como se zerar as emissões fizesse desaparecer essas indústrias. Então, eles agem como ‘vamos continuar o máximo possível, até que a gente seja proibido’. Mas o fato é que as emissões continuam a aumentar e a indústria tem um discurso de que ela vai trabalhar pela redução, mas não tem efetividade.

CC: Além dos desastres naturais, quais são as outras formas de impacto do aquecimento global?

CN: Por exemplo, se continuar a crescer a temperatura do planeta, afetará muito a biodiversidade. Você pode levar à extinção centenas de milhares de espécies. Outro risco: se não conseguir sucesso no Acordo de Paris, pode perder grande parte da Amazônia. Ela está muito próxima do ponto de não-retorno.

Você pode perder uma imensa quantidade de carbono, matéria orgânica e metano que está preso na área congelada da Sibéria, do Canadá, do Alasca, chamado permafrost.

De fato, corre-se o risco de elevar a temperatura em muitos graus. Se a temperatura subir até o final do século em quatro graus – só para dar um exemplo – haverá efeitos na saúde humana. O Rio de Janeiro, que já é quente, ficará praticamente inabitável quase todos os dias do ano, porque você atinge um limite acima do que o corpo humano permite, fica muito quente e muito úmido. O corpo humano não consegue perder calor, e nós precisamos manter a temperatura do corpo em 37 graus.

CC: Quais medidas são essenciais para evitar desastres naturais no Brasil daqui para frente?

CN: Tem milhões de brasileiros vivendo em áreas íngremes, de costa. Tem de pensar um ‘Minha Casa, Minha Vida Sustentável’ para tirar essas pessoas dali e levá-las para morar em áreas sem risco. 

Quando foi criado, o Minha Casa, Minha Vida já tinha um aspecto de sustentabilidade. Quando as novas casas são feitas com painéis solares para energia, já são bastante sustentáveis, mas agora é muito importante aumentar o número de casas.

A casa tem de ser construída em locais sem risco. Não pode ser nada no riacho, nem na encosta, então há um desafio muito grande, sem dúvida. Há áreas urbanas que foram totalmente tomadas e não é fácil encontrar os locais.

Quando aconteceu o desastre na região serrana do Rio em 2011, eles queriam levar as populações para 40 a 50 quilômetros de onde elas viviam e trabalhavam. Esse é um enorme desafio, mas ele tem de ser enfrentado.

É muito importante que prefeitura, governo estadual e governo federal não deixem essas pessoas voltarem para áreas de alto risco, busquem soluções temporariamente em algum lugar e rapidamente construam um Minha Casa, Minha Vida para todas essas pessoas.

Do contrário, há muito risco de elas voltarem para suas residências, e nós ainda estamos no verão, com um risco enorme de novas chuvas.

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