Entrevistas
Carlos Fico: Condenações não bastam e, sem mudar a Constituição, o Brasil seguirá vulnerável a aventuras golpistas
Para o historiador, alterar o trecho sobre garantia dos poderes constitucionais e avançar na pedagogia democrática são tarefas inescapáveis


A condenação de militares envolvidos na trama golpista liderada por Jair Bolsonaro (PL) é importante, mas o País precisa de mudanças institucionais para evitar novas tentativas de ruptura. É o que defende o historiador Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos principais estudiosos do País sobre a ditadura.
Em entrevista a CartaCapital, Fico ressalta a necessidade de o Congresso Nacional aprovar uma mudança na redação do artigo 142 da Constituição, frequentemente evocado por bolsonaristas para atribuir às Forças Armadas uma espécie de poder moderador.
Diz o dispositivo “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Segundo Fico, o trecho sobre “garantia dos poderes constitucionais” é o mais problemático, por conferir aos militares um poder excessivo e impreciso. “Ninguém sabe o que é, não tem lei que regulamente, nem quem tem a iniciativa de fazer isso.”
Mudar a redação do artigo 142 depende, contudo, da aprovação de uma proposta de emenda à Constituição. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), autor de uma proposta com esse objetivo, ainda não tem as assinaturas necessárias para protocolar o texto. Logo após a condenação de Bolsonaro, ele disse a CartaCapital considerar que o momento não é propício para acelerar a articulação, especialmente enquanto a extrema-direita busca viabilizar uma anistia.
O historiador Carlos Fico compilou mais de 10 mil horas de gravação do STM – Imagem: Charles Oliveira de Sousa e Adão Nascimento/Estadão Conteúdo
Para Fico, o conservadorismo do Congresso é o principal entrave. Ele avalia que o governo também não tem força para patrocinar a PEC e enfrentar a inevitável resistência de militares, o que poderia deflagrar uma nova crise política.
Além de repensar o artigo 142, o historiador enfatiza ser fundamental avançar no que chama de “pedagogia democrática”, especialmente com o fim da impunidade para envolvidos em aventuras antidemocráticas. Neste sentido, a discussão sobre anistia ou redução de penas para beneficiar condenados se torna particularmente perigosa.
Fico chama a atenção para o “sentimentalismo” em torno da defesa de anistia aos extremistas que invadiram as sedes dos Poderes em 8 de Janeiro de 2023. De acordo com ele, tende, assim, a prevalecer uma mudança nas penas para crimes como golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, a fim de suavizar as punições.
A prosperar essa solução casuística, seria tarefa do Supremo Tribunal Federal — caso a considerasse constitucional — adaptar as penas à nova redação da lei.
“É tão ruim quanto a anistia, até porque tem uma afetação geral. Todas as pessoas serão beneficiadas, independentemente de quem seja”, ressalta. “É um casuísmo muito negativo, até por esse imediatismo. O Congresso tentará beneficiar aliados semanas depois de um julgamento histórico.”
Apesar desse persistente cenário de tensão institucional e da presença de Donald Trump no comando dos Estados Unidos, contudo, Carlos Fico projeta que as eleições de 2026 serão diferentes do pleito de 2022 em relação ao temor sobre a interferência dos militares.
Há três anos, Bolsonaro não hesitava em usar sua condição de chefe das Forças Armadas para ameaçar as instituições — costumava, por exemplo, usar a expressão “meu Exército”.
Além de o cenário doméstico ser outro, destaca o historiador, a aliança entre Trump e o bolsonarismo se mostrou até aqui catastrófica para os interesses da extrema-direita brasileira. “Essa atuação de Eduardo Bolsonaro é uma coisa impressionante de ineficaz”, resume. “A coisa mais tola que você pode fazer se estiver sendo condenado é irritar o juiz de execução da sua pena.”
Assista à íntegra da entrevista:
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