Educação

Por que Tarcísio quer retirar até 9 bi da Educação (e como isso pode piorar as escolas públicas)

CartaCapital ouviu especialistas que criticam a proposta; sindicato dos professores convocou um ato para esta sexta-feira 20 contra a redução

Créditos: Governo de São Paulo/Divulgação
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O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) encaminhou à Assembleia Legislativa de São Paulo, na terça-feira 10, uma proposta de Emenda à Constituição para reduzir os investimentos na educação de 30% para 25%, com base na receita do estado.

Embora a Constituição Federal determine que os estados invistam mínimo de 25% de suas receitas na educação, a Constituição de São Paulo determina que o Estado deve despender um mínimo de 30% de suas receitas líquidas na área.

Ao justificar o pedido de mudança constitucional, o governador sinalizou que os 5% que sairiam da Educação seriam necessários para custear ações e serviços em Saúde, que, segundo Tarcísio, segue em uma tendência de alta de gastos.

“Nota-se […] tendência persistente de expansão dos gastos públicos com as ações e serviços de saúde no Estado, o que pode ser explicado em razão do aumento da expectativa de vida da população e dos avanços tecnológicos, com a incorporação de novos tratamentos e medicamentos, inclusive aqueles de custo elevado no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS”, escreveu o governador.

A proposta não foi bem aceita por educadores, entidades educacionais e políticos da oposição que temem o aprofundamento da precarização da rede estadual, que acumula problemas como falta de estruturas escolares adequadas, de professores, além de ofertar salários abaixo do prometido pelo plano de carreira docente do estado de São Paulo.

Nominalmente, os 5% mencionados pela PEC poderiam representar a retirada de até 9,6 bilhões do orçamento da educação no estado.

“Isso é muito sintomático e tem um significado político enorme”, critica o doutor em Ciências pela USP e professor da UFABC, Fernando Cássio, ao considerar os recentes anúncios do governador para a educação, em parceria com o secretário de educação do estado, Renato Feder, como a tentativa de retirar os livros didáticos da rede e transformar os materiais em 100% digitais.

“O pano de fundo dessa política educacional é a redução de custos. Estamos diante de uma política de concentração de recursos na compra de equipamentos eletrônicos, e de redução geral de custo. E agora querem atacar diretamente a vinculação da constituição estadual”, critica o educador. “Qual é a justificativa? Eles fizeram um cálculo? Porque remover essa quantidade de recursos implica mudanças substantivas na capacidade de financiar a educação.”

Manobra para pagar pensionistas?

Para o doutor em Direito do Estado e professor da Universidade Federal do ABC, Salomão Ximenes, o governo de São Paulo se vê obrigado a recuar de uma manobra, mantida por anos no estado, de contabilizar o pagamento de pensionistas no orçamento da Educação. A constituição federal proíbe o uso de recursos da educação para o pagamento de aposentadorias e pensões.

“As simulações mostram que o estado de São Paulo sempre gastou em torno de 25% em manutenção e desenvolvimento do ensino. Houve anos em que nem os 25% foram cumpridos, excluídos os inativos. Ele só atingia o patamar dos 30% acrescidos os gastos com aposentadorias”, explica.

Em 2022, o Tribunal de Contas da União reconheceu que o governo paulista vinha utilizando de maneira ilegal e inconstitucional os recursos do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Uma representação encaminhada ao órgão pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo apontava que, só em 2021, o governo de São Paulo reservou mais de R$ 2,1 bilhões do Fundeb para cobrir despesas previdenciárias, o equivalente a cerca de 11,5% das receitas do Fundo. A proibição também é prevista na Lei que regulamentou o novo Fundeb (Lei nº 14.113/20).

“O que está por trás disso é basicamente o fato de que não há mais margem de manobra para contabilizar o pagamento de servidores inativos na despesa vinculada de manutenção e desenvolvimento do ensino”, continua Ximenes, que avalia que Tarcísio poderia ter feito da obrigatoriedade uma ‘janela de oportunidades’ para a educação, mas que decidiu abrir mão.

“O que ele está fazendo agora é reduzir esse gasto mínimo obrigatório para manter as coisas como estão. Está deixando de aproveitar o momento da obrigatoriedade, de retirar os inativos do gasto mínimo em educação, e de torná-la uma janela de oportunidades para aumentar o financiamento da Educação”.

O pesquisador avalia que uma possível aprovação da PEC proposta pelo governo pode aprofundar a crise de financiamento das escolas públicas em São Paulo.

“As escolas já passam por uma precariedade, salvo aquelas que são escolhidas para serem vitrines. As condições de trabalho do magistério também são muito precárias, um percentual altíssimo de professores temporários, desvalorizados. A consequência que eu vejo é aprofundar a crise de financiamento, com a carência de recursos para uma educação de qualidade no estado. Você continuará aumentando as despesas de pessoas, porque os servidores vão progredindo em suas carreiras, alcançam algum nível de reajuste salarial, e vai tendo cada vez menos recursos disponíveis para as escolas”.

Educadores devem fazer pressão

Para ser aprovada na Alesp, a PEC de Tarcísio seguirá o rito de ser examinada pela Comissão de Constituição e Justiça, posteriormente por uma comissão especial, no caso de educação, para então ser encaminhada ao Plenário. Para ser aprovada, a PEC deve ser votada em duas sessões no plenário e ter o quórum mínimo de 57 deputados, três quintos dos membros da Assembleia.

Deputados da oposição prometem fazer mobilizações para tentar barrar o projeto na Casa Legislativa, onde o governador tem maioria de apoio.

“O que essa PEC representa, na prática, é um atentado contra as escolas, contra a rede estadual. Na atual conjuntura, com tantos desafios a serem enfrentados, é um crime se pensar em reduzir o orçamento da educação”, critica o deputado estadual Carlos Gianazzi (PSOL-SP), que ainda condena o fato de o governador ter justificado a possível redução de orçamento às necessidades da Saúde. “Ele está jogando uma área contra a outra”. A Constituição de São Paulo determina que o Estado gaste um mínimo de 12% de suas receitas líquidas na Saúde.

Para Gianazzi, o projeto tem caráter anti-popular por pautar a retirada de recursos da educação, e pode enfrentar resistência mesmo entre parlamentares da base do governo. Ainda assim, não descarta a necessidade de ampla mobilização da sociedade.

“Se não houver uma pressão popular da sociedade, dos movimentos e organizações aos deputados da base, há risco que a PEC seja aprovada, mas vai ter muita pressão porque é um projeto muito impopular”.

O Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp) convocou um ato para esta sexta-feira 20 contra a redução de orçamento proposta por Tarcísio. A mobilização está marcada para às 17h, na Praça da República, no centro da cidade, sob o mote ‘Tarcísio, tire as mãos do dinheiro da educação’.

Créditos: Reprodução

Para o sindicato, a proposta do governador vai na contramão do que se espera para uma educação pública, inclusiva e de qualidade.

“Cabem as seguintes perguntas ao governador, se está ‘sobrando dinheiro’, por que as escolas seguem abandonadas, com falta de estrutura mínima e equipamentos? Por que os salários dos professores continuam abaixo do piso? Por que o governador vetou a contratação de psicólogos às escolas para apoiar na prevenção de bullying e violência?”, questionou a deputada estadual Professora Bebel (PT), também presidente do sindicato, que não descarta a possibilidade de uma paralisação da categoria.

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