Educação

Paraná muda regras de eleições escolares e fará análise prévia de candidatos a cargos de direção

Os gestores que não atingirem as metas do governo de Ratinho Jr. serão destituídos

Ratinho Jr. (Foto: Assembleia Legislativa PR/Divulgação)
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A Assembleia Legislativa do Paraná aprovou, na terça-feira 12, um Projeto de Lei que dinamita a gestão escolar democrática e confere plenos poderes para o governo de Ratinho Jr., do PSD, nomear ou destituir os diretores das instituições de ensino. Com a aprovação do PL 672/23, a Secretaria Estadual de Educação fica autorizada a fazer um processo prévio de credenciamento e avaliação dos candidatos. Somente aqueles que passarem pelo filtro estatal poderão ser eleitos, mais tarde, por pais, alunos, professores ou servidores. Isso, se sobrar mais de um postulante ao cargo.

Desde 1984, os diretores das escolas eram escolhidos pelo voto da comunidade. A APP, associação sindical dos professores paranaenses, apresentou uma série de emendas à Comissão de Constituição e Justiça da Casa. “Conseguimos algumas mudanças pontuais no projeto, mas consideramos que o objeto central, que é a gestão democrática, está sob ataque. O processo instituído vai dificultar a efetivação de uma escola pública plural e representativa”, avalia Walkiria Mazeto, presidente da APP.

Ao cabo não vai prevalecer a vontade da comunidade escolar, e sim dos burocratas a serviço do governo, alerta a professora. Os candidatos serão submetidos a uma prova. Caso não surjam servidores interessados em participar do processo seletivo, o secretário da pasta, Roni Miranda Vieira, poderá nomear quem ele bem entender. Na ausência de quórum mínimo nas eleições escolares, uma nova canetada pode definir o “interventor”, como os profissionais da educação se referem ao dirigente não eleito. Depois de empossados, os diretores também podem ser sumariamente dispensados, caso não consigam cumprir quase 50 metas estipuladas pelo governo. Somente os dirigentes das controversas escolas cívico-militares não serão submetidos ao processo, pois a escolha já é de competência do secretário – os fardados parecem mesmo ter dificuldade para assimilar a democracia. 

Até as tradicionais associações de pais, mestres e funcionários tiveram seus estatutos infringidos. Em 2021, Ratinho Jr. decidiu, por decreto, que o presidente e o vice de cada entidade deveriam ser, obrigatoriamente, o diretor e o vice da respectiva escola. O sindicato dos professores queixa-se, ainda, da aprovação dessas mudanças sem debate com a sociedade. Na Assembleia Legislativa, a base governista é hegemônica e chancela quase tudo que o governador deseja. O discurso meritocrático de cumprimento de metas, alerta Mazeto, mal consegue disfarçar a intenção de intervir na gestão escolar para perseguir vozes críticas ao governo e suas políticas educacionais.

A escola pública, com seus projetos político-pedagógicos construídos coletivamente, está se curvando à gestão por resultados, como se fosse um negócio como outro qualquer, lamenta Professor Lemos, deputado estadual pelo PT. Essa transformação, acrescenta o parlamentar, começou a ser arquitetada pelo ex-secretário Renato Feder, que atualmente ocupa a mesma função no governo de Tarcísio de Freitas, do Republicanos, em São Paulo.

Para levar a educação paranaense ao topo do ranking Ideb, indicador criado pelo governo federal para medir a qualidade do ensino nas escolas públicas, Feder adotou uma série de estratégias para reduzir artificialmente a evasão escolar e a reprovação. Uma delas, denuncia Lemos, foi o encerramento de turmas no período noturno, no qual esses índices são sempre mais elevados, até por reunir jovens que precisam conciliar estudo com trabalho. O parlamentar menciona o caso de Turvo, município com 13 mil habitantes, a abrigar uma grande indústria papeleira, responsável pela maior parte dos empregos formais. Muitos funcionários e aprendizes estavam matriculadas no colégio do bairro onde a fábrica está localizada, mas foram forçados a abandonar os estudos pelo fim do turno da noite. “Entre a escola e o trabalho, optaram pelo salário e pelo sustento da família. Com isso, perdem a oportunidade de estudar e crescer profissionalmente.” 

Por onde passa, Feder defende o uso da tecnologia para modernizar o ensino. Não parece ser uma ideia desprovida de interesse. Por meio da offshore Dragon Gem, com sede em Delaware, um paraíso fiscal em solo norte-americano, Feder detém 28,16% da Multilaser, empresa que multiplicou os contratos de fornecimento de equipamentos para os governos do Paraná e São Paulo, vários deles sem licitação. A qualidade do material didático oferecido nas plataformas digitais é, porém, bastante duvidosa.

Recentemente, já sob a gestão do sucessor Roni Vieira Miranda, a Secretaria de Educação do Paraná publicou, em seu site oficial, uma apresentação em PowerPoint para dar suporte aos professores de Geografia do segundo ano do Ensino Fundamental. Um dos slides, ilustrado com a fotografia do ditador Augusto Pinochet, que governou o Chile de 1973 a 1990, enaltece a Operação Condor, apresentada como uma aliança dos regimes militares que “visava perseguir esquerdistas, antipatriotas e subversivos nos países do Cone Sul”.  Você não leu errado. Os dissidentes políticos das ditaduras sul-americanas, vítimas de sequestros, torturas e assassinatos nos anos de chumbo, são descritos como “antipatriotas”.

Outro “material de apoio” parece plagiado de livros de autoajuda para pequenos empreendedores. Uma tabela aponta as “principais diferenças entre pessoas de mentalidade rica e pessoas de mentalidade pobre”. No primeiro grupo figuram aqueles que “assumem os próprios erros”, “foca nas oportunidades” e “admira pessoas de sucesso”, entre outras estultices. Já as pessoas de mentalidade pobre… Bem, estas preferem “culpar os outros e o governo”, “focam nas adversidades” e “invejam pessoas de sucesso”.

Em resposta aos questionamentos enviados por CartaCapital, a Secretaria de Educação respondeu, de forma lacônica, que “a comunidade continuará participando da escolha dos diretores” após a análise prévia da pasta e que os colégios cívico-militares são “regulamentados por legislação própria”. As mudanças são apresentadas como “um aperfeiçoamento à gestão educacional e funcional”. Segundo a nota, o material didático disponibilizado em seu site é produzido pelos próprios professores, e serve como apoio pedagógico: “Mais de 90% dos servidores da rede estadual utilizam e avaliam positivamente os materiais e os conteúdos de apoio”.

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