Ciências

Papo de pescador?

Alguns mitos sobre animais têm
 raízes, mas outros são pura invenção.
 Veja os mais famosos e suas origens


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Ao longo da história da humanidade, muitas vezes algumas situações enfrentadas pelos povos acabaram resultando em lendas que foram se propagando por meio da cultura através de gerações. Muitas envolvem animais que faziam parte do convívio – e até da imaginação! – da população, aterrorizando a todos por descrever diferentes “monstros” com instintos assassinos. Fato é que a maior parte delas é fruto da imaginação ou da interpretação dada às informações que se apresentavam.

Algumas dessas lendas acabam provocando impactos no equilíbrio ecológico, afetando diretamente os animais que as protagonizam. Assim, como muitas informações errôneas ainda são frequentemente replicadas, é fundamental que se compreendam os motivos e o contexto onde as lendas e crendices envolvendo os animais surgiram, para que assim seja possível desmitificá-las para um convívio mais harmonioso entre o homem e a natureza.

Serpentes e dragões
Durante muito tempo, as serpentes marinhas gigantes foram o terror dos oceanos, apavorando marinheiros que os cruzavam à procura de terras desconhecidas e de preciosidades. No Oriente, o que mais apavorava as aldeias era a crença em enormes dragões alados que viviam nas cavernas e caçavam pessoas, cuspindo fogo e destruindo os vilarejos. Quase sempre as lendas e mitos têm um fundo de verdade. No caso dos dragões, acredita-se que as pessoas criaram as imagens a partir de fósseis de grandes dinossauros que elas encontravam nos ricos sítios paleontológicos, principalmente da China e da Sibéria.

Um animal que muitas vezes paga com a vida a fama injusta de assassino é a cobra, mais precisamente as grandes sucuris, cada vez mais raras na Floresta Amazônia. A lenda da cobra grande que engole pessoas inteiras não passa de imaginação. Claro que uma sucuri, que também é conhecida como anaconda em muitos países, é capaz de engolir uma capivara, um veado ou até mesmo um jacaré. Afinal, são animais carnívoros e, como não possuem garras, precisam se enrolar na presa para poder abatê-la por asfixia, o que é chamado tecnicamente de constrição.

Diferentemente do que muitas pessoas acreditam, as sucuris não quebram todos os ossos de suas vítimas. Se fizessem isso, o animal abatido poderia expor muitas pontas de ossos, o que seria fatal para a serpente. Outro mito é acreditar que as grandes cobras conseguem engolir um boi. Sabe-se comprovadamente que, dependendo do tamanho da sucuri, um bezerro grande pode ser capturado e engolido. As lendas, porém, descrevem bois adultos que as cobras engolem e cujos chifres deixam para fora da boca esperando que apodreçam e caiam! Isso não acontece. São informações com um fundo de verdade, mas muito extrapoladas.

Nunca foi comprovado que uma serpente tenha efetivamente engolido uma pessoa adulta, embora isso não signifique que não seja possível matar um ser humano. As sucuris possuem músculos fantásticos, extremamente fortes e, se uma cobra com pelo menos 3 metros de comprimento se enrolar em uma pessoa, as coisas podem ficar complicadas. Na maioria das vezes os acidentes acontecem quando alguém incomoda o animal. Em geral, esses bichos fogem da presença humana.

boto

Outra lenda curiosa envolvendo as serpentes é comum no interior: acredita-se que quando uma mulher que está no período de amamentação diminui a produção de leite é porque alguma cobra da redondeza está mamando em seu peito durante a noite, sem que a mãe perceba. Para a criança não chorar nesse momento, a cobra coloca a ponta de sua cauda na boca do bebê e, quando por ventura alguém mata uma cobra próximo a essa casa e observa um líquido branco nas entranhas da serpente, logo diz que é o leite que ela estava roubando. O misterioso líquido nada mais é do que o ácido úrico presente nas fezes do bicho. Não podemos esquecer que cobra não é mamífero nem possui língua apropriada para mamar. Além disso, não existe criança no mundo que chuparia o rabo de uma cobra como se fosse uma chupeta. Quanta imaginação!

Boto-cor-de-rosa
No Brasil, principalmente na Amazônia, muitas pessoas ainda acreditam que nas noites de lua cheia o boto-cor-de-rosa se transforma em um jovem muito bonito e sedutor que visita aldeias ribeirinhas à procura de mulheres. Elas seriam facilmente conquistadas e engravidadas pelo “falso homem”, que na manhã seguinte se transformaria em boto novamente e desapareceria nas águas dos rios. O problema é que algumas crendices trazem consequências para os animais envolvidos. No caso dos botos, por exemplo, muitos já foram mortos por maridos enfurecidos.

Corujas e sapos
A associação de um animal com alguma lenda ou com significados para aqueles que o têm por perto depende muito da região. As corujas, por exemplo, eram mortas e pregadas nas portas das casas na Europa antiga com o intuito de espantar os demônios. Na Grécia, por outro lado, eram tidas com seres sábios e observadores.

No Brasil, muita gente vincula as corujas à morte – existem lendas descrevendo que, quando uma coruja pousa no telhado de uma casa, isso significa que algum de seus moradores vai falecer nos próximos dias. Na prática, as corujas deveriam ser vistas como sinais de proteção, já que são animais caçadores que se alimentam principalmente de ratos, diminuindo possíveis pragas.

O mesmo acontece com os sapos, que ainda são relacionados à bruxaria, mas, na verdade, são ótimos caçadores de insetos, combatendo naturalmente as pragas nas plantações.

O mais complicado em tudo isso é que as lendas permanecem enraizadas na mente das pessoas por muitas gerações e mudá-las leva muito tempo. Alguns exemplos vêm desde o início da fase da inquisição, na Europa. Animais como gatos pretos eram relacionados às bruxas e até hoje são mortos e maltratados em muitas cidades pelo mundo. E as lendas e mitos envolvendo os animais se propagam por todos os lados, não apenas em comunidades com menos acesso à informação.

Lobos
Muitas vezes informações errôneas são passadas às nossas crianças e vão sendo reproduzidas sem que nos atentemos a isso. Contos infantis como Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos e Pedro e o Lobo, entre outros, sempre apresentam um lobo malvado e faminto que ameaça os personagens e, no final, tem de ser morto por algum herói. Esses contos foram criados principalmente na Europa e a intenção era que os lobos fossem realmente caçados e mortos, já que muitas vezes atacavam os rebanhos de ovelhas e de bois dos fazendeiros.

Vale lembrar, porém, que os lobos nunca foram intrusos e assassinos. Eles são caçadores e tiveram seus territórios invadidos em muitas regiões do mundo por fazendas – afinal, já estavam lá antes de qualquer um. Por isso acabam se aproveitando dessa convivência forçada com o ser humano, já que caçar uma ovelha lenta em fazendas é muito mais fácil do que capturar um cervo ágil e esperto em ambiente selvagem. Felizmente, hoje muitos parques e reservas foram criados em vários países para proteção da espécie. Esperamos que não seja tarde demais para os lobos.

Vampiros e lobisomens
Um dos maiores “vilões” na disseminação de informações equivocadas sobre animais é o cinema. Centenas de filmes já foram feitos com animais aterrorizantes, como cães assassinos, coelhos, abelhas, vermes, tubarões etc. Entre os mais famosos estão os relacionados aos vampiros e lobisomens.

As lendas com um morto-vivo que se alimentava de sangue começaram com um fato verídico: a história do Conde Vlad Basarab, nascido em 1431, na Valáquia, também conhecida como Transilvânia, onde hoje fica a Romênia. Ele ficou conhecido pelas batalhas travadas contra o Império Otomano e, principalmente, pelo sadismo contra os inimigos, já que promovia torturas e mortes por empalamento nos homens capturados. Seu nome romeno era Draculea, que significa dragão. Por esse motivo ele também era conhecido como Drácula.

Nessa época não se conheciam as espécies de morcegos vampiros. Aliás, das 1,1 mil espécies de morcegos que existem em todo o mundo, somente três são “vampiras”, ou seja, hematófagas – alimentam-se de sangue. Essas espécies são encontradas apenas na América do Sul.

Anos depois, o escritor irlandês Bram Stoker escreveu o romance gótico Drácula, lançado em maio de 1897. Após vários anos pesquisando o folclore europeu e a mitologia, Stoker baseou-se nas histórias de Vlad Basarab e no já conhecido comportamento dos morcegos vampiros. Na época, o livro recebeu muitas críticas. Porém, com o passar do tempo, ele foi adaptado para o tea-tro e, posteriormente, para o cinema, onde se tornou um fenômeno mundial.

O primeiro filme a basear-se no livro foi Nosferatu, em 1922. Depois do sucesso, diversos filmes lançados sobre Drácula invadiram os cinemas de todo o mundo. No ano de 1992, o renomado diretor Francis Ford Coppola apresentou o filme mais fiel ao livro original de Stoker.

As lendas sobre os lobisomens também nasceram na Europa antiga. Um dos motivos está relacionado ao vírus da raiva, que afetava alguns lobos. Por vezes eles atacavam pessoas, infectando-as. Elas então apresentavam os sintomas de agressividade, salivação, acessos de fúria, alucinações, delírio e fobia à luminosidade e, por fim, chegavam à morte. Não é difícil entender como se originou essa lenda.

Atualmente, os vampiros e lobisomens estão em alta com filmes e séries que apresentam jovens em histórias de ação e romantismos.

Tubarão
Outro filme famoso é Tubarão, dirigido pelo diretor Steven Spielberg em 1975. Fez enorme sucesso e até hoje sua música principal é facilmente reconhecida, inclusive por pessoas que nem mesmo tinham nascido na época. Vale ressalvar, porém, que centenas de tubarões foram mortos à época, principalmente no litoral dos Estados Unidos – com uma certa colaboração do filme, as pessoas passaram a vê-los como assassinos dos mares.

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