Educação

Na educação domiciliar, os familiares devem prever plano pedagógico

O presidente Bolsonaro assinou o PL que regulamenta a prática da educação domiciliar. Para entrar em vigor, o projeto passará por tramitação no Congresso

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O presidente Jair Bolsonaro assinou na quinta-feira 11 o projeto de lei que regulamenta a prática da educação domiciliar, conhecida como homeschooling. A proposta integra uma lista de documentos assinados em uma cerimônia no Palácio do Planalto na tarde da última quarta-feira, quando se completou 100 dias de governo.

O projeto de lei altera o previsto na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996), que prevê como dever dos pais ou responsáveis a matrícula de crianças na educação básica a partir dos quatro anos de idade. A mesma lei reconhece a educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos de idade, organizada nas modalidades de pré-escola, ensino fundamental e ensino médio.

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Também modifica o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) que prevê o direito à educação atrelado ao acesso de crianças e adolescentes à escolas públicas e gratuitas e próximas de sua residência.

Para entrar em vigor, o projeto passará por tramitação no Congresso.

O que propõe a lei?

A educação domiciliar dá a possibilidade a pais ou responsáveis legais de preverem o regime de ensino de crianças e adolescentes, e dá a eles prioridade de direito na escolha do tipo de instrução que será ministrada a seus filhos. No artigo 205 da Constituição Federal, a educação é entendida como um direito de todos e dever do Estado e da família e sua promoção com a colaboração da sociedade.

O texto do PL diz que a opção pela educação domiciliar será efetuada pelos pais ou pelos responsáveis legais do estudante, formalmente, por meio de plataforma virtual do Ministério da Educação, onde devem constar: documentação de identificação do estudante, na qual conste informação sobre filiação ou responsabilidade legal; documentação comprobatória de residência; termo de responsabilização pela opção de educação domiciliar assinado pelos pais ou pelos responsáveis legais; certidões criminais da Justiça Federal e da Justiça Estadual ou Distrital; plano pedagógico individual, proposto pelos pais ou pelos responsáveis legais; e caderneta de vacinação atualizada.

Esse cadastro teria que ser renovado anualmente pelos familiares, com a publicação do plano pedagógico individual direcionado ao estudante. Também é responsabilidade dos representantes legais da criança e adolescente a inserção de registros periódicos das atividades pedagógicas do estudante na plataforma.

Sobre a avaliação dos estudantes, o PL aponta que o estudante será submetido a uma avaliação anual sob a gestão do Ministério da Educação. Caso o desempenho seja considerado insatisfatório, o texto menciona a oferta de uma prova de recuperação. Também prevê, no artigo 9º, a regulação de taxas pelo MEC para fins de custeio das avaliações (serão avaliadas hipóteses de isenção de pagamento).

Também estão previstas condições para que os pais sigam com o direito à educação domiciliar que pode ser suspenso em alguns casos: quando o estudante for reprovado, em dois anos consecutivos, nas avaliações anuais e nas provas de recuperação; quando o estudante for reprovado, em três anos não consecutivos, nas avaliações anuais e nas recuperações; quando o aluno injustificadamente não comparecer à avaliação anual ou enquanto não for renovado o cadastramento anual na plataforma virtual.

Direito à educação em risco?

A regulação da educação domiciliar foi pauta do Supremo Tribunal Federal no ano passado, que decidiu por não reconhecê-la como modalidade de ensino. Para a Corte, a Constituição prevê apenas o modelo de ensino público ou privado, cuja matrícula é obrigatória, e não há lei que autorize a medida.

A equipe do Carta Educação produziu a reportagem “Quais interesses estão por trás do homeschooling?” à época para entender junto a especialistas em educação como eles viam a tramitação do tema.

Uma das questões apontadas foi a pouca representatividade da agenda diante dos quase 50 milhões de estudantes da educação básica: um levantamento realizado pela Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned), uma das principais influenciadoras do tema, indicavamm 7,5 mil famílias e 15 mil estudantes na modalidade, em 2018.

Além disso, os entrevistados apontavam preocupação com o direito à educação. O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara entende ser fundamental a convivência dos estudantes com os demais jovens e professores nas escolas. “O direito à educação vai muito além da mera instrução”, declarou.

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O professor da Universidade Federal do ABC e doutor em Direito pela USP, Salomão Ximenes, também questionou o entendimento que é trazido com a lei de que a família está acima do Estado na definição da educação. “Seria necessário redesenhar não só a concepção de educação, como a de política educacional e de escola pública”, explicou.

Ximenes reforça a concepção de educação pública e republicana que, além da complementaridade entre Estado e família no dever de estudar, reconhece a educação obrigatória “como um requisito necessário para a igualdade e democracia, independente da posição de seus pais”.

A preocupação dos especialistas mira nos interesses que sustentam a agenda e que, para eles, têm convergência com o Escola sem Partido. O presidente da Aned, Ricardo Dias, traz como um dos motivos para os pais tirarem seus filhos da escola a “doutrinação ideológica”, principal reivindicação do movimento, amplamente acolhida por Bolsonaro e seus representantes governamentais, como o atual ministro da educação Abraham Weintraub, declarado apoiador do combate a um suposto marxismo cultural nas instituições de ensino.

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