Artigo
Há uma série de medidas urgentes para a Educação. Nenhuma delas passa pelo homeschooling
Autorizar e regulamentar a educação domiciliar fere os direitos de crianças e adolescentes, aumentará a desigualdade e abre brechas legais para que não seja ofertada educação pública de qualidade

Por Marcele Frossard e Tânia Dornellas
Ontem foi aprovado, em regime de urgência na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 2.401/2019 sobre a educação domiciliar, por 264 votos a 144. O placar reflete o espírito de negação da ciência e de argumentos do nosso tempo. Aprovar a educação domiciliar, o homeschooling, é desautorizar e deslegitimar o conhecimento científico, o saber pedagógico, o aparato institucional e tudo mais que a escola representa.
Nos últimos anos, a educação brasileira tem amargado um processo de desfinanciamento e baixa execução orçamentária, como demonstra o estudo ‘Não é uma crise, é um projeto: os efeitos da reforma do Estado entre 2016 e 2021’. Entre 2019 e 2021, a execução caiu R$ 8 bilhões em termos reais. A Lei Orçamentária de 2022 foi aprovada com R$ 63 bilhões a menos do que seria necessário na área da educação.
A redução do financiamento da educação e o Teto de Gastos impactam negativamente o futuro da educação brasileira, cujo direito é assegurado na Constituição. Dificultam o alcance das metas do Plano Nacional de Educação, espinha dorsal da educação no País – se o ritmo atual for mantido, a previsão é que menos de 15% de seus dispositivos sejam cumpridos até 2024. Também fragilizam a gestão pública os inúmeros casos de corrupção e o entra-e-sai de ministros no MEC.
Os 264 parlamentares que aprovaram o projeto avalizaram movimentos excludentes, individualistas e elitistas, sem considerar as implicações na formação da identidade e das subjetividades de milhares de crianças e adolescentes. Também ignoram e o papel social da escola como um lugar transformador e democrático, bem como seu potencial na promoção da diversidade e da inclusão e na ampliação do repertório para a resolução de conflitos, fundamentais para a vida em sociedade.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação produziu e encaminhou para todos os deputados uma Nota Técnica que analisa através de diferentes aspectos as consequências da aprovação da educação domiciliar. Mais de 400 entidades que trabalham e lutam em prol da educação escolar pública de qualidade apresentaram um Manifesto contra os projetos de homeschooling que tramitam no Congresso, indicando uma massiva contrariedade à aprovação dessa modalidade de ensino.
Os 144 deputados que votaram contra a aprovação da educação domiciliar, sabem que este tema não é prioridade na agenda política e não reflete as reais necessidades para a Educação no atual momento. Ainda vivenciamos as consequências da pandemia, com exclusão escolar de mais de 5,5 milhões de crianças e adolescentes. A prioridade do Estado é cumprir a legislação vigente, alocando orçamento público disponível para tal – e não para uma nova agenda.
A educação domiciliar vai contra a noção constitucional de prioridade absoluta, visto que a legislação não poderá ser plenamente cumprida, colocando em risco de desproteção crianças e adolescentes. Ao apontar para a necessidade de garantia de direitos dos pais, o projeto do homeschooling faz uma inversão do direito das famílias, pois transfere para os pais os direitos que são de seus filhos. O que entendemos e apresentamos por meio de dados e pesquisas reconhecidas é a negação da realização dos direitos de crianças e adolescentes.
Dito isto, acreditamos que a Câmara dos Deputados comete um grave equívoco. Autorizar e regulamentar a educação domiciliar é uma ameaça concreta à educação como direito humano fundamental. Aumentará a desigualdade social e educacional no nosso país. Abre brechas legais para que não seja ofertada educação escolar pública de qualidade e para desobrigar famílias e o Estado a garantir e respeitar os direitos de crianças e adolescentes. Será fator agravante da crise que vivemos.
Marcele Frossard, assessora de programa e políticas sociais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Tânia Dornellas, assessora de advocacy da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
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