Educação

Em meio a denúncias de assédio, Instituto Federal de São Paulo suspende aulas após ameaça

O caso aconteceu no campus Pirituba, na zona norte de São Paulo. As aulas presenciais seguem suspensas até o dia 2 de setembro

Créditos: Reprodução Facebook
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As aulas presenciais no Instituto Federal de São Paulo, campus Pirituba, na zona norte de São Paulo, estão suspensas desde a segunda-feira 29 depois que a unidade recebeu uma ameaça anônima de massacre no sábado 27.

A intimidação aconteceu depois que estudantes protagonizaram um ato na instituição, na última semana, contra casos de assédio sofrido por alunas por parte de seus colegas. Pelo menos 23 relatos foram encaminhados à direção da unidade.

A mensagem foi encaminhada ao e-mail de uma estudante do 1º ano do Ensino Médio, onde se concentram as denúncias, e depois acabou sendo compartilhada entre os demais estudantes e familiares via aplicativos de mensagens.

Meninas, não fiquem com medo de serem assediadas, sintam medo de perderem suas vidas“, diz um trecho da ameaça que, em tom misógino, cita o nome de meninas da instituição. “1º ano, 2º ano, 3º ano, professores, direção, se preparem para serem as vítimas do ‘novo massacre“, finaliza o texto.

Procurado, o IFSP de Pirituba esclareceu que a suspensão das atividades presenciais até o dia 2 de setembro foi vista como uma ‘medida de segurança’ e também uma forma de permitir o encaminhamento de demais ações para apurar os fatos e garantir a integridade física e psicológica da comunidade.

O Instituto ainda informou que foi aberto um boletim de ocorrência junto à Polícia Civil, acompanhado pela Delegacia da Mulher, e que foi entregue aos agentes que apuram o caso um relatório feito pela equipe de tecnologia da informação do instituto para apoiar no rastreio das mensagens, bem como informações de uma apuração inicial feita no próprio campus.

A unidade também anunciou a intensificação de atividades de controle de acesso e vigilância na unidade e a realização de uma reunião, por parte da direção, com servidores, estudantes, familiares e responsáveis, para apresentar as medidas tomadas e o encaminhamento dos casos.

Estudantes não se sentem seguras

A reportagem de CartaCapital conversou com duas estudantes da instituição – que não serão identificadas por motivos de segurança. Uma delas se diz vítima direta de assédio por parte de um colega de turma, que chegou a tocar suas partes íntimas.

As alunas contaram que os primeiros relatos foram encaminhados à direção há cinco meses, mas ganharam força durante uma aula de Sociologia que discutiu o tema e encorajou mais meninas a falarem de seus casos.

Segundo o IFSP, as questões foram tratadas dentro do regime disciplinar discente, a partir de diálogos com os alunos e seus responsáveis, além da organização de uma série de atividades de formação sobre o tema, em diálogo com os docentes e com o setor sociopedagógico.

As estudantes, no entanto, reclamam da falta de uma ação efetiva por parte da direção ao longo do tempo e criticam a postura de alguns professores que chegaram a minimizar os casos em sala de aula, e a criticar o manifesto dos alunos.

“Assédios morais são vistos como ‘brincadeiras’ e ‘piadas’ na escola. Só começou a ser incômodo quando partiu para assédio de maneira física. No ato que teve há algumas semanas atrás, houve relato de toque físico, onde o assediador, ao cumprimentar, descia a mão para as genitálias das garotas. Toques estranhos são recorrentes nos relatos”, narrou uma adolescente.

“No dia do ato, professores se negaram a apoiar, e passaram o conteúdo da mesma maneira. A postura de uma delas foi que ‘devemos aprender a perdoar’. Outro professor se referiu ao ato como ‘bagunça’ e disse que isso mancharia a visão das pessoas sobre o lugar que ele trabalha”, completou.

As meninas também dizem temer por sua segurança dado o convívio com os meninos envolvidos nos casos e relatam que, frequentemente se sentem intimidadas por ‘piadas’ sexistas. “Piadinhas do tipo ‘mulher é igual carro, a gente só pega pra passar a mão'”, relatou a estudante vítima de assédio.

“Não podemos desconsiderar o que aconteceu em Suzano”

Para o conselheiro do IFSP no segmento discente, Clayton Lima da Silva, também aluno do campus, os casos que vieram à tona na unidade apontam para um problema estrutural da sociedade.

“A questão do machismo não é exclusiva do campus, é uma questão posta na sociedade e que, invariavelmente vai passar pela estrutura educacional”, avalia. Em sua análise, o instituto mantem uma estrutura favorável a discussões sobre temas como gênero, sexualidade, raça e classe, para tentar mitigar, no sistema educacional, as distorções ainda encontradas fora dos muros da instituição.

“Acho que a grande questão é se solidarizar com todo mundo envolvido, para que a gente tenha um espaço melhor daqui pra frente”, pondera. O conselheiro, no entanto, não deixou de se alertar diante a ameaça promovida contra a unidade. “Não podemos desconsiderar o passado recente, o que aconteceu em Suzano”. [Em 2019, dois ex-alunos abriram fogo na Escola Estadual Professor Raul Brasil, levando à morte cinco estudantes e duas funcionárias da escola”.

Para Kátia Regina Molina, mãe de um estudante do Ensino Médio, o tema deve sensibilizar todas as famílias, para além das vítimas e supostos envolvidos, motivo pelo qual ela tem se mobilizado para criar uma comissão de diálogo permanente com o instituto.

“Estamos diante de um tema sério que é a violência contra a mulher, as meninas têm o direito de serem ouvidas. Eu tenho visto movimentos semelhantes de massacre em outras escolas, a gente tem que entender que há pessoas que tiram proveito de situações. O mês de agosto é o mês de falar da proteção à mulher, e vejo que este episódio acabou tirando o foco de um tema super importante”, avalia.

A mãe defende que a comunidade escolar adote uma postura em prol do diálogo e evite extremismos. “Vejo muitos familiares nervosos, dizendo que os filhos não voltam mais à instituição. Não se trata disso. A escola é séria, tomou as medidas cabíveis. Agora também acho que nós, pais, precisamos refletir sobre a educação de nossos filhos para evitar esse tipo de situação”, avalia, ao também considerar que o fato dos alunos terem ficado sem convivência, durante os piores momento da pandemia, tensionam ainda mais os espaços escolares.

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