Educação

Educadores questionam ‘credibilidade’ da consulta pública do MEC sobre o Novo Ensino Médio

Contestações surgiram após o presidente do Consed declarar que uma proposta do conselho seria similar à que o governo pretende anunciar

O ministro da Educação, Camilo Santana. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

Uma declaração do presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação gerou críticas de educadores e instituições à consulta pública de reestruturação da Política Nacional de Ensino Médio, aberta pelo Ministério da Educação e que será finalizada nesta quinta-feira 6.

Na segunda 4, o presidente do Consed, Vitor de Angelo, também secretário de Educação do Espírito Santo, anunciou ter entregue ao MEC um documento com sugestões de avanços na implementação do Novo Ensino Médio.

Em uma publicação nas redes sociais, escreveu: “Nossa proposta é similar ao que o governo pretende anunciar após a consulta pública sobre o novo modelo educacional“.

A afirmação causou estranheza entre educadores, que chegam a questionar a credibilidade da consulta anunciada pelo Ministério da Educação.

Para Fernando Cássio, doutor em Ciências pela USP e professor da Universidade Federal do ABC, a declaração é grave.

“Se o Ministério da Educação já tem uma proposta definida, temos um problema”, alerta. “Qual o sentido de uma consulta pública aberta na sociedade se o governo já tem uma proposta e ela é igual à do Consed e à das instituições empresariais? E mais: se essa proposta já existe, onde ela está? Com quem foi debatida? Ao que parece, ela foi, sim, negociada, mas a portas fechadas”.

Crítica semelhante registrou nas redes a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda. “Consed apresentou proposta de NEM ao governo e seu presidente postou no IG que ‘é similar ao que o governo pretende anunciar após a consulta pública’. Essa afirmação, se procedente, é gravíssima, pois pressupõe que o MEC tem posição antes do fim da consulta. Consulta pra quê?”, escreveu.

Quando o Ministério da Educação anunciou a prorrogação da consulta pública, em junho, afirmou que atendia a um pedido do Conselho Nacional de Educação, do Fórum Nacional de Educação, do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação e do Conselho Nacional dos Secretários de Educação.

A reportagem de CartaCapital tentou conversar com o presidente do Consed, Vitor de Angelo, mas não obteve resposta. Procurado, o MEC informou em nota que “a proposta do Consed foi recebida, assim como as de outras entidades educacionais, e todas serão analisadas para elaboração do relatório”.

Ainda de acordo com a pasta, após consulta pública será elaborado um relatório no prazo de 30 dias com os principais pontos debatidos. O ministério também informou que mais de 100 mil pessoas já opinaram sobre o ensino médio, conforme dados computados até 15h57 horas desta quarta-feira.

Consed e educadores divergem sobre a proposta

Os secretários estaduais de Educação reafirmaram sua posição contra a revogação do Novo Ensino Médio em proposta encaminhada ao MEC. Para o conselho, a medida é “completamente inviável”.

“É insensato pensar em descartar todo esse esforço técnico e financeiro despendido pelas redes estaduais ao longo dos últimos anos, que envolveu, entre outras iniciativas, a construção de novos currículos para todos os estados, a formação e a contratação de professores”, defendeu.

Uma das principais propostas do conselho é flexibilizar 300 horas – das 1.200 destinadas aos itinerários formativos – para complementar, de acordo com a necessidade de cada estado, as 1.800 horas dedicadas à formação básica dos estudantes, que, poderia, assim, somar 2.100 horas.

Também consta da proposta a defesa de uma base para os itinerários formativos (a parte diversificada do currículo), a fim de “mitigar a desigualdade entre as redes”. O Consed ainda endossa a manutenção da oferta a distância na etapa escolar, “preferencialmente para os itinerários formativos”.

A proposta difere de um projeto de lei protocolado em maio deste ano pelo deputado federal Bacelar (PV-BA), do qual Fernando Cássio foi um dos articuladores. O PL defende a manutenção de 2.400 horas mínimas para a formação geral dos estudantes e sustenta que a oferta deve ser realizada exclusivamente na modalidade presencial.

O plano estabeleceria ainda que as disciplinas de diversas áreas do conhecimento, como Sociologia, Filosofia, História, Geografia e outras fossem componentes obrigatórios da formação. A Reforma do Ensino Médio estabeleceu como obrigatório nos três anos do Ensino Médio apenas o ensino de Língua Portuguesa e Matemática.

O Novo Ensino Médio vem sendo apontado como indutor de desigualdades educacionais, não só pela redução da formação geral básica dos estudantes, mas pela dificuldade de oferta dos itinerários formativos, que esbarra em uma lacuna estrutural das escolas e na falta de formação aos docentes.

“Essa proposta de 2.400 horas é para garantir que não haja retrocesso, para os estudantes não perderem conteúdo na escola em relação ao que havia no Ensino Médio anterior”, prossegue Cássio. “Isso considerando que qualquer reforma tem de ser no sentido de ampliar o currículo, não de reduzí-lo.”

Segundo o professor, “quem implementou a Reforma do Ensino Médio e produziu esses efeitos altamente deletérios foi o Consed, juntamente com seus parceiros do setor privado, fundações e institutos ligados a bancos”.

“E eles seguem nessa postura, sem ouvir quem de fato entende de educação no Brasil. Agora, o mais crítico de tudo é o Ministério da Educação, que deveria estar mais preocupado em construir uma política de Ensino Médio que não produza exclusão massiva no Brasil, que não aprofunde desigualdades, que não desvirtue a função precípua do Estado brasileiro de reduzir desigualdade social”.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo