Educação

‘As famílias não têm dado conta de expor os filhos à pluralidade’, diz mãe de estudante vítima de racismo

A advogada Thais Cremasco, mãe de Antônio, defende que os estudantes envolvidos no caso passem por um processo de reeducação, com leituras, palestras e aulas sobre período escravocrata do País

Créditos: Arquivo pessoal
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O episódio de racismo e discursos de ódio ao qual um estudante do Colégio Visconde de Porto Seguro, em Valinhos, foi submetido, teve um primeiro desfecho. Na semana passada, a instituição anunciou a expulsão de oito estudantes envolvidos com o grupo de mensagens.

Passado uns dias, a mãe de Antônio, 15 anos, a advogada Thais Cremasco, ainda lida com a incredulidade. “É uma tristeza profunda. É muito assustador olhar para a nossa sociedade e entender que adolescentes de 15 a 17 anos tenham esse tipo de postura”.

No dia 30 de outubro, segundo turno das eleições, estudantes da instituição adicionaram Antônio a um grupo de mensagens chamado ‘Fundação Anti Petismo’, e fizeram chegar ao garoto uma série de mensagens discriminatórias e violentas.

“Além de homofóbicas, gordofóbicas, as mensagens traziam muito o discurso do ódio, xenofóbico, muita discriminação com pessoas pobres”, relata a mãe. “Fora toda a questão de apologia ao nazismo e racismo em si, né?”

Desde o ocorrido, Thais travou uma luta para que a escola tomasse providências acerca do caso. “Para além da revolta, da tristeza, [a situação] me despertou um senso de justiça, porque não é possível que a gente aceite essa situação”. O colégio disse à mãe que não poderia informar o nome dos estudantes expulsos, mas garantiu que Antônio não conviveria mais com eles. A advogada disse que não foi procurada por nenhum familiar dos adolescentes envolvidos.

“Esse movimento de expulsão não é porque a gente é vingativo, punitivista, não é nada disso. É pra justamente acordar a sociedade. Racismo é uma vergonha”, pondera. “Cheguei a ouvir, ‘ah mas não fizeram nada diretamente contra ele, foi só em um grupo’, mas sendo o meu filho um dos poucos negros na escola, é evidente que ele se sente violentado. A gente precisa parar de relativizar as violências que vem perpetuadas em palavras, porque a gente sabe que elas machucam, matam.”

A mãe também encorajou o filho, que estuda lá há seis anos, a frequentar as aulas normalmente. “Eu percebo que meu filho usou essa luta como um combustível para curar essa dor”, afirmou Thais, que disse não ter sido o primeiro caso discriminação racial enfrentado na escola.

Antônio, 15 anos, foi vítima de racismo na escola onde estuda há seis anos. Créditos: Arquivo pessoal

Para a advogada, seria importante que a própria escola usasse o episódio para refletir. “Não é só a inserção de alunos negros, isso é importante para a representatividade, mas por que não contratar professores negros? Por que só a tia da cantina é negra, a faxineira, e todo o resto são pessoas brancas?”, questiona Thais, que afirmou ter escrito uma carta à escola, também endereçada à embaixada do Brasil na Alemanha.

Ela ainda acredita ser necessário um processo de reeducação aos adolescentes envolvidos com o episódio.

“Acho que seria super importante garantir a esses estudantes que tivessem contato com palestras, aulas, leituras. Para que eles revisitassem o que foi o processo escravocrata no País”, defende. “Eu acredito no amor, que o amor vai vencer o ódio, então eles precisam ser reeducados para viverem em sociedade.”

Para Thais, a recorrência dos casos acende um alerta às famílias, sobretudo àquelas integrantes de classes sociais mais privilegiadas. “As famílias não tem dado conta de expor os filhos à pluralidade, o que é urgente. É na diferença que a gente cresce e aprende.”

Caso se repetiu em escola particular de Porto Alegre

Na quarta-feira 9, uma escola particular de Porto Alegre, o Colégio Israelita, também anunciou o afastamento de um grupo de estudantes que teriam gravado um vídeo de teor discriminatório após as eleições.

No vídeo, que circulou pelas redes sociais, três estudantes – duas meninas e um menino – aparecem ironizando a diferença entre a vida de pessoas de maior e menor poder aquisitivo, além de mencionar eleitores do PT, pessoas negras e pessoas consideradas gordas. A unidade informou que os alunos ficarão afastados até o fim do ano letivo e que vai estabelecer com conjunto de medidas socioeducativas que serão monitoradas. O Ministério Público também passou a investigar o caso.

Thaís e Antônio também registraram um boletim de ocorrência sobre o acontecido no Visconde de Porto Seguro. Em nota enviada à reportagem, a Polícia Civil confirmou que a injúria racial foi registrada na Delegacia de Polícia da Infância e da Juventude (DIJU) de Campinas.

“Após as medidas de polícia judiciária o caso foi encaminhado ao Poder Judiciário e segue em fase processual no Fórum de Valinhos. Detalhes serão preservados em decorrência do sigilo nas investigações e por envolver menor de idade”, declarou, em nota, a Secretaria de Segurança Pública.

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