Educação
A máquina de moer professores
Sob pressão, um quarto dos docentes da rede pública do Paraná se afastou por problemas de saúde mental


Já se passaram mais de quatro meses desde que o professor Vinicius Prado Alves, 39, deixou a sala de aula. O afastamento, motivado por crises de ansiedade e pânico, interrompeu uma trajetória de 16 anos dedicados ao Ensino Fundamental e Médio na rede estadual do Paraná. “Não é só exaustão. É uma estrutura que adoece”, afirma.
Situação semelhante vive Rossano Rafaelle Sczip, também professor de História. Afastado há mais de 90 dias por depressão e ansiedade, ele enfrentou tentativas frustradas de retorno, sempre interrompidas por laudos médicos.
Os dois não estão sozinhos. Dados da Secretaria da Administração e da Previdência (Seap), obtidos por requerimento da deputada estadual Ana Júlia (PT), mostram que 8.888 professores da rede estadual foram afastados por motivos de saúde mental apenas em 2024 — o equivalente a 23,5% do total de docentes efetivos (37.773). Um em cada quatro professores.
Nos últimos meses, duas professoras morreram durante o expediente em escolas estaduais. Silvaneide Monteiro Andrade, 56, faleceu no Colégio Cívico-Militar Jayme Canet, em Curitiba, no dia 30 de maio. Seis dias depois, Rosane Maria Bobato morreu no Colégio Estadual Santa Gemma Galgani. Ambas passaram mal durante o trabalho.
Metas, vigilância e assédio
Professores, sindicalistas e especialistas ouvidos pela reportagem apontam que o adoecimento está ligado à intensificação de cobranças relacionadas a plataformas digitais implementadas pelo governo estadual. São 13 sistemas — como Matemática Paraná (Khan Academy) e Robótica Paraná — que têm metas de engajamento acompanhadas em tempo real pela Secretaria de Educação.
“A lógica é quantitativa, não qualitativa. Pouco importa se há aprendizado, o que importa é a atividade entregue na plataforma”, critica Vinicius. Para ele, o modelo esvazia o papel do professor e reforça uma cultura de “empreendedorismo individual” entre os alunos, alheia à escola como espaço de formação crítica.
O secretário da Educação, Renato Feder, e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Foto: GOVSP/Reprodução
A plataformização da rede pública avançou durante a gestão de Renato Feder, hoje secretário de Educação em São Paulo, e foi mantida sob o atual secretário, Roni Miranda. A presidenta do APP-Sindicato, Walquíria Mazetto, afirma que as metas vêm acompanhadas de “pressões diárias e constrangimentos” nas escolas. “Vivemos sob vigilância permanente.”
A pressão por resultados também tem distorcido os indicadores educacionais, segundo especialistas. Apesar das notas do Paraná no Ideb 2023 — 4,9 no Ensino Médio e 5,5 no Fundamental, ambas acima da média nacional —, a deputada Ana Júlia denuncia manobras para inflar os números: aprovação automática, redução de turmas noturnas e da EJA, e controle rígido de frequência. “São metas irreais. Quem não cumpre pode até perder o cargo”, afirma Mazetto.
Há temor de que as metas draconianas impostas pelo governo Ratinho sirvam para justificar e ampliar a terceirização da gestão das escolas estaduais. Em 2023, o programa Parceiro da Escola entregou 82 unidades à administração de empresas privadas. O consórcio envolve Apogeu, Tom Educação e Salta, com contratos que ultrapassam 2 bilhões de reais.
A medida enfrentou questionamentos judiciais e recebeu liminar de inconstitucionalidade, posteriormente revertida pelo Executivo estadual. O programa é criticado por direcionar recursos públicos à iniciativa privada e estimar lucro anual de 240 milhões para as empresas.
O que diz o governo do Paraná
Procurada, a Secretaria de Educação do Paraná defendeu as ações de cuidado com a saúde mental dos servidores. A pasta citou o programa Bem Cuidar, criado em 2022 em parceria com a Unicentro, que oferece atendimento gratuito em psicologia, psiquiatria, nutrição e educação física. Mais de 40 mil atendimentos teriam sido realizados.
A secretaria informou também que a rede conta com 203 psicólogos atuando nos Núcleos Regionais de Educação e que um canal de emergência 0800 está sendo implantado.
Sobre as plataformas digitais, a pasta afirmou que seu uso é recomendado — não obrigatório — e serve de apoio ao trabalho docente. “Os professores não são penalizados ou têm qualquer prejuízo em sua remuneração caso optem por não utilizar esses recursos”, diz a nota. Segundo a secretaria, a recomendação é de uso semanal e produção mensal de uma redação por aluno. “Não condiz com a realidade qualquer discurso que afirme que há sobrecarga.”
Projeto de lei contra o assédio
Diante do cenário, Ana Júlia apresentou um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Paraná para estabelecer diretrizes de conduta na administração pública. O texto prevê abordagem respeitosa e objetiva por parte de superiores, proíbe cobranças públicas de desempenho e expõe o assédio moral como violação passível de responsabilização.
A deputada estadual Ana Julia (PT) protocolou um PL contra o assédio moral no serviço público. Créditos: divulgação
A deputada, que coordena a Frente Parlamentar de Saúde Mental, vê os dados como sinal de colapso. “Estamos falando de quase um quarto do quadro adoecido — e ainda pode haver subnotificação. Isso não é exceção, é sintoma de um modelo que precisa ser revisto.”
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