Editorial
Os vilões do mundo
Sem contar a mídia nativa, incapaz de perceber o acerto da política brasileira


Onde há de se originar o surto de ódio a tomar conta do grande vilão do momento, ou seja, Benjamin Netanyahu? Nesta área sombria dos humores do vilão, antes dos palestinos caberia a referência ao povo alemão, que tão compactamente envergou o uniforme nazista e se engajou na jornada antissemita, a ser registrada historicamente como Holocausto. Tal personagem poderia ser evocada para firmar a primazia do criminoso de guerra em sua denodada faina de destruir até a última alma e o último telhado, de sorte a riscar de vez do mapa o Hamas.
Na consagração da absurda crença de que os opressores são as vítimas dos oprimidos, o Hamas resulta de verdade da revolta palestina, afastada sem remissão a moldura infame de uma guerra muito além de desigual. Caso quiséssemos definir com precisão histórica, a situação precipitada pela atitude de Tel-Aviv, teríamos de citar também a contribuição ofertada a Netanyahu pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, perdido na observação do vácuo de Torricelli e acossado pelo crescimento nas pesquisas na candidatura provavelmente assustadora de Donald Trump, que o próprio filho define desrespeitosamente como “artista”.
Militam, aliás, ao lado destes senhores os jornalões nativos, lembrados dos arroubos deflagrados nos tempos da Guerra dos Seis Dias, comandada pelo general Moshe Dayan, o mesmo que nos brindou com a visita da filha Yael, recebida com pompa sob a proteção do delegado Fleury. O governo do presidente Lula, sagazmente, orientado pelo conselheiro especial Celso Amorim, condena a violência judia depois de haver elaborado um impecável projeto de paz que Biden se recusou a aceitar antes mesmo da negativa de Netanyahu.
Ocorre-me comparar o atual primeiro-ministro judeu com as encantadoras figuras criadas por Charles Chaplin, desde o luminoso homenzinho ingenuamente envolvido nos tormentos dos tempos modernos. Desde o crítico da civilização dos EUA em Um Rei em Nova York até O Grande Ditador, disposto a brincar com o mundo transformado numa enorme bola de borracha a dançar-lhe sobre a cabeça aos toques leves de ponta de dedos, comedidas incursões com breves referências a momentos de pieguismo tipicamente judeu, mas facilmente olvidável.
Chaplin é uma luz pelo caminho da vida, mesmo quando traça um perfil negativo, ou certamente ridículo, dos seus intérpretes, mas nunca se afasta do que precisa ser lembrado. Com Netanyahu, o cenário é brutalmente diverso. Trata-se, de fato, de alguém preso irremediavelmente ao seu destino de fanático do Apocalipse. Seria um daqueles que empurraram Cristo na subida do Gólgota. •
Publicado na edição n° 1286 de CartaCapital, em 22 de novembro de 2023.
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