Editorial
O protetor
Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, manda e desmanda na política nativa e garante a permanência de um demente na presidência do País, sem deixar de fazer os negócios que engordam seus bolsos


Recebo o bilhete de um velho amigo, Roberto Amaral, outrora tido como uma espécie de eminência parda da política nativa, por lhe conhecer profundamente caminhos e descaminhos. Ele sabia que informação é poder. Diz então Roberto: “Arthur Lira, o gângster que preside a Câmara dos Deputados como se fora uma cloaca alagoana, está por todos os meios tentando calar a voz do deputado Glauber Braga. Não amedronta com suas ameaças, daí promover no Conselho de Ética um processo de cassação de mandato, acusando-o de quebra de decoro parlamentar, por ter-lhe perguntado se não tinha vergonha de estar conspirando contra a Petrobras. O processo corre a jato. Não podemos permitir a consumação desta violência”.
Lira carrega inúmeros pecados. Distingue-o, sobretudo, o fato de que arca com o papel de protetor do bolsonarismo e do demente-mor e executa a tarefa com extremo denodo, de forma a tornar-se uma espécie de dono da situação. Este, aliás, é o seu plano, e a investida para subtrair ao Estado o comando da nossa grande empresa petrolífera faz parte do conjunto natural de sua obra. Seu desabusado interesse por esta privatização liga-o de certa maneira a um predecessor com intenções igualmente daninhas. Aludo ao famigerado Eduardo Cunha, que foi capaz de infernizar a vida do governo de Dilma Rousseff.
Cunha foi deputado pelo PMDB, mas acabou por ser processado pela Lava Jato. Exerceu o mandato de 2003 a 2016, quando foi cassado pelo plenário da Câmara que presidia, em seguida à denúncia do então procurador-geral da República Rodrigo Janot, por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ministro Teori Zavascki determinou o afastamento de Cunha da presidência da Câmara e o denunciou por ter mentido na CPI da Petrobras. Cunha desviava recursos da exploração de petróleo pela empresa brasileira em Benin, país da África Ocidental, e os remetia para contas abertas em um banco suíço. O processo culminou com o congelamento dos ativos de Cunha na Suíça.
Preso em março de 2017, foi condenado a 15 anos e 4 meses de cárcere, mas teve a prisão preventiva substituída pela domiciliar, com o uso de tornozeleira, em consequência da pandemia de Covid, quando a defesa alegou sua idade avançada. Cunha tinha então 61 anos. Hoje, permanece em prisão domiciliar e sem tornozeleira. De sorte que o ensaboado ex-deputado pretende candidatar-se à Câmara, talvez com a intenção de algum dia substituir Arthur Lira, seu conhecido de longa data.
Imagem: Mateus Bonomi/Agif/AFP
CartaCapital permite-se ter saudades de um magistrado digno como Zavascki. No mais, sobra o STF praticamente em peso, sob a presidência daquele que faria a felicidade do sioux em busca de escalpos, Luiz Fux, comovente nos rapapés a Bolsonaro. Dizer que se trata de um imenso medíocre é prova de otimismo em relação às condições mentais do magistrado.
Tanto o STF quanto o TSE estão aí há bastante tempo com seus mesmos integrantes, e estavam quando do golpe de Estado urdido contra Dilma Rousseff pelos próprios poderes da República. Zavascki, eu acredito, se insurgiria contra a decisão daquelas assembleias de ministros desprovidos de decoro e da necessária sabedoria. Quase todos, se não todos mesmos, viraram a toga na hora de dizer para desdizer.
Com a eleição de Bolsonaro, a resultar da presidência do usurpador Michel Temer, mestre em corrupção desenfreada exercida a partir do Palácio do Jaburu, o calendário eleitoral dos golpistas permanece intacto, a vigorar até hoje com o pleito marcado para outubro próximo. E tudo isso é possível neste país infeliz, o mais desigual do mundo, onde casa-grande e senzala permanecem de pé. É este, o monstruoso desequilíbrio social, o problema por enquanto sem solução.
A situação deplorável sob a batuta de um demente na Presidência da República, ali mantido graças à proteção do presidente da Câmara dos Deputados, no papel de poderoso mandachuva, somente poderá ser revertida com a vitória de Lula a curto prazo. O Brasil, no entanto, ainda terá de esperar pelo confronto decisivo entre o passado e um futuro de democracia autêntica, de igualdade e inclusão. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1214 DE CARTACAPITAL, EM 29 DE JUNHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O protetor”
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