Editorial
O intruso
O chamado Homo sapiens, no Brasil e no mundo, exibiu sua falta de sabedoria


Como cidadãos do Brasil e do mundo, não colhemos neste momento motivos de satisfação ou mesmo de alegria. Valores cultivados em outros tempos, morais e éticos, foram aposentados. Se nos referimos ao mundo, somos forçados a reconhecer o reinado da lei da selva. O mais forte manda e o resto se conforma. Falando desta nossa terra abençoada por Deus e bonita por natureza, vale perguntar aos nossos perplexos botões se este país é governável, à sombra do eterno recurso da conciliação, na prática de uma política à moda antiga do toma lá dá cá. É dando que se recebe, dizia um vetusto líder do Centrão, realidade perene da nossa inesgotável medievalidade.
Vivemos de fato a desigualdade de sempre, a presença de casa-grande e senzala, sem que nada se pratique para corrigir a disparidade monstruosa. Pelo contrário, excogitam-se remédios para dilatar o malfeito. Neste exato instante, o presidente Lula procura abrigar no governo o Progressistas (PP), partido do presidente da Câmara, Arthur Lira, e o Republicanos, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. Estes dois partidos integraram formalmente a base de apoio de Jair Bolsonaro. Acordos foram selados para que representantes de ambas as agremiações passem a figurar no atual governo. Permito-me lembrar que um dos próximos ministros se chama André Fufuca.
Recurso infalível para criar um novo Saara – Imagem: iStockphoto
O apetite do Centrão estende-se à Caixa Econômica Federal, que detém o maior número de correntistas do País. Provável substituição no comando do banco levaria à presidência Margarete Coelho, atual diretora-financeira do Sebrae, filiada ao PP e indicada por Lira. Este congraçamento alastra-se por outros campos. Atualmente, a Secom premia com verbas generosas o Grupo Globo, cujo jornalão acaba de tecer loas ao impeachment de Dilma Rousseff, amplamente merecido como punição para as célebres pedaladas jamais ocorridas. Cai a arrecadação da Record, beneficiada largamente durante o mandato de Bolsonaro.
Se o presidente da República anuncia a taxação, pelo Fisco, dos ricos nativos, inclusive os donos de fortunas acumuladas no exterior, surge espontânea a pergunta: que vai dizer a respeito o onipresente Arthur Lira? Este senhor tem sido um excelente administrador dos seus próprios interesses, bem mais do que aqueles do País. Já no que diz respeito ao mundo, é inevitável constatar a tragédia do desequilíbrio ambiental, habilitada a subverter sinistramente as leis da natureza. A vida sobre a Terra, a envolver fauna e flora, redondamente exibe a irresponsabilidade e a prepotência do bicho homem, a se gabar por ter consciência. Puro desperdício.
Receita para o enésimo genocídio – Imagem: Tom Costa/MJSP
Empregada corretamente, deveria propiciar um mea-culpa, de sorte a entender ter sido ele mesmo, o Homo em nada sapiens, o autor da desgraça, ao fazer valer a sua vontade acima da Razão. Os demais bichos atuam a favor do código natural, com perfeita obediência. Só o homem se arvora a expor seu crime sem chances de arrependimento. Impune, o intruso faz e desfaz, e pouco importa o destino das gerações a se seguirem. •
Publicado na edição n° 1275 de CartaCapital, em 06 de setembro de 2023.
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