Editorial
Do começo ao fim
O incêndio da floresta abre caminho para transformar o mundo em deserto


Está em jogo o destino da humanidade e do próprio planeta. A pequena bola de argila que gira elipticamente em torno de uma estrela menor chamada Sol corre o grave risco, talvez a esta altura inevitável, de despertar o tropel dos cavaleiros do Apocalipse. O homem orgulha-se por ter a consciência da vida quando frequenta a situação oposta. Ou seja, a inconsciência do perigo a que se expõe na perspectiva de ver o mundo transformado em um deserto fatal, sem a pálida possibilidade de vida para fauna e flora. Será este o epílogo de uma tragédia há tempo engatilhada?
Troca de faixa entre desastrados – Imagem: Vanderlei Almeida/AFP
Os grandes da Terra – para o oba-oba nacional o presidente Lula está entre eles – reúnem-se para debater os problemas do mundo sem tocar no mais imponente: a crise ambiental. Quando Jair Bolsonaro, graças a um enésimo golpe praticado com a contribuição decisiva do que chamávamos a República de Curitiba, maciçamente apoiada pela mídia nativa a serviço da casa-grande, foi eleito presidente e partiu para o desmatamento da Amazônia, CartaCapital combateu o crime: ao destruir o pulmão da humanidade criaríamos um novo Saara.
A República de Curitiba garante sua contribuição ao desastre – Imagem: Redes sociais
Como sabemos, a devastação prosseguiu a bem do espaço aberto para manter a tradição da monocultura, no caso a soja, bem como as manadas dos pecuaristas. Um estudo de lavra recente revela que dentro de 40 anos o mundo será um imenso deserto de um polo a outro. Se esta semana decidirmos encarar a realidade, bastará abrir a janela para saber que este verão escaldante acontece em pleno inverno. Estamos desafiando a natureza, a mesma que Nietzsche tinha como sinônimo de Deus, e uma forma de desrespeito deste calibre não poderá ser perdoada.
Nada vai impedir o suicídio do próprio planeta, vítima da ganância dos mais ricos, donos do poder
A despeito da indiferença dos mais poderosos, porque mais ricos, estes estão sempre empenhados em omitir a questão nas suas frequentes reuniões que a nada de positivo levam. Pelo contrário, exibem nitidamente a prepotência de uns e a resignação de outros. Safam-se os culpados, os indiscutíveis responsáveis por este crescente envenenamento, enquanto as minorias súcubas sofrem em silêncio. Uma análise objetiva exibirá a verdade factual, mas nem por isso vai impedir o suicídio do próprio planeta, vítima da ganância e da irresponsabilidade dos depositários do verdadeiro poder.
O presidente não desiste de governar em busca da conciliação – Imagem: José Cruz/ABR
Quanto à presença do Brasil nestas conferências globais, difícil demais entender que um dos países mais desiguais do planeta, onde boa parte da população está condenada a morrer de fome, se arvore a defender no mundo a paz ausente nos seus domínios. Aquele que é chamado de “povão” com algum desprezo é portador de um dos mais baixos índices de escolaridade, sem jamais ter sido beneficiado por um Estado de Bem-Estar Social, supondo-se que bastariam para saciá-lo as migalhas caídas da mesa dos senhores. Já aconteceu que tão pouco fosse suficiente para seduzir o povão.
De fato, por algum tempo, vingou a ideia de que o presidente da República tirara da miséria 30% ou 40% da população. Hoje, a ciranda da alegria está calada. Sobram as estatísticas desalentadoras, conquanto a propaganda não se detenha. Não nos iludamos, o galope do Apocalipse está cada vez mais próximo. •
Publicado na edição n° 1277 de CartaCapital, em 20 de setembro de 2023.
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