Economia

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Virtude e maldição

Uma comparação econômica entre os anos Lula e o governo Bolsonaro

Guedes vive no mundo de conto de fadas, onde não há famintos, desempregados ou desalentados e onde o Brasil “está bombando” - Imagem: Marcos Oliveira/Ag.Senado e Fábio Teixeira/Anadolu Agency/AFP
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Quando os historiadores se debruçarem sobre o legado deixado pelo governo Bolsonaro, ficarão perplexos com a capacidade de destruição do Estado desenvolvimentista realizada em tão pouco tempo pela turma que se apoderou do Palácio do Planalto. É indiscutível que o capitão de milícias vai deixar uma herança maldita para o próximo governo, em contraste com o ­legado do governo Lula (2003 a 2010), que colocou o Brasil nos trilhos do desenvolvimento econômico e social.

O governo Bolsonaro atropelou a Carta Magna para reduzir a ação do Estado na esfera econômica e social. O teto de gastos colocou uma camisa de força nos investimentos públicos e nos gastos sociais, enfraquecendo o crescimento e reduzindo o mercado de consumo. O neoliberalismo foi incapaz de promover o desenvolvimento e atender às necessidades básicas da população brasileira. Pelo contrário, foram três anos e meio de estagnação que geraram alto desemprego, aumento da pobreza e recolocaram o Brasil no Mapa da Fome (FAO-ONU). Cerca de 80% da população brasileira está endividada e 67 milhões de cidadãos constam da lista de inadimplentes do Serasa.

A falta de dinamismo da economia vai resultar num crescimento acumulado do PIB de apenas 4%, entre 2019 e 2022, caso haja uma expansão de 2,3% neste ano, equivalente a um crescimento médio anual de apenas 1%. Em contrapartida, o crescimento acumulado nos oito anos de governo Lula foi de 37,5%, média anual de 4%, ou seja, quatro vezes maior do que a expansão do produto interno durante o mandato de Bolsonaro.

O presidente Lula encerrou seu segundo mandato, em 2010, com o PIB a crescer a 7,5% e o mercado de trabalho a experimentar o pleno emprego. O Brasil havia acumulado 277 bilhões de dólares em reservas. Deixara a condição de devedor externo e passara àquela de credor externo líquido. Foi assim que o País galgou à posição de sétimo maior PIB do mundo, na condição de potência emergente. Lula saiu aclamado por 87% da população, que o considerava ótimo e bom, segundo pesquisa Ibope.

A Constituição foi atropelada para se reduzir a ação do Estado na esfera econômica e social

Bolsonaro vai deixar o PIB brasileiro de 2022 com um crescimento de 2,3% e desemprego em torno de 9%. Um país enfraquecido e desmoralizado, na posição de 13º PIB do mundo. A avaliação do presidente Bolsonaro neste setembro oscilava entre 30% e 35% de ótimo e bom, com um nível de rejeição acima de 50%.

Este é o resultado de uma política econômica desastrada, praticada nos últimos quatro anos sob o comando de Paulo Guedes, que inibiu o desenvolvimento econômico e social do País. Não se deixe enganar pelo voo de galinha do primeiro semestre, turbinado por medidas eleitoreiras de curta duração, que perderão fôlego nos últimos seis meses. Além disso, a atividade econômica do segundo semestre e do próximo ano será sufocada por uma taxa básica de juros que gravita em torno de 13,75%, a mais alta do planeta, em termos reais. E pelo agravamento do cenário internacional, que caminha para uma forte desaceleração.

Os aliados de Bolsonaro argumentam que foi a crise da Covid-19 que prejudicou o crescimento nesse período. Os EUA, a Europa e a Ásia se saíram, porém, bem melhor do que o Brasil, devido às respectivas políticas de estímulo fiscal e monetário. Além disso, em 2008 e 2009, no segundo mandato de Lula, houve uma crise financeira mundial tão ou mais grave do que a provocada pela pandemia. Nem por isso o País deixou de crescer, graças à ação do Estado com a política econômica de estímulos à economia. O crescimento médio do PIB entre 2007 e 2010 foi de 4,65% ao ano, mais de quatro vezes o crescimento médio anual de 2019 a 2022.

A crise da Covid-19 foi tão mal administrada pelo governo Bolsonaro que promoveu a morte de quase 700 mil cidadãos. Foi assim que o Brasil ocupou o lugar de segundo país com o maior número de mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, e foi o primeiro colocado no rol de mortes por habitante. Uma das consequências nefastas da pandemia e da guerra na Ucrânia foi o aumento da inflação em escala mundial, que no Brasil foi potencializada pela elevação irresponsável das tarifas de combustíveis e pela excessiva desvalorização do real permitida pelo Banco Central.

Sob Bolsonaro, o Brasil foi o segundo país com mais mortes por Covid-19. O BC de Campos Neto administra a maior taxa real de juros – Imagem: Bruno Kelly/Amazônia Real e Marcelo Camargo/ABR

Emprego formal

O governo Bolsonaro gerou 4,6 milhões de empregos formais de janeiro de 2019 a junho de 2022, equivalentes a 1,3 milhão de empregos por ano. Em contrapartida, o governo Lula gerou 15,5 milhões de empregos formais entre 2003 a 2010, o equivalente a 1,93 milhão de empregos por ano. Vale dizer que o governo Lula gerou mais empregos do que os 14,2 milhões gerados na soma dos governos Sarney, Collor, Itamar, FHC, Temer e Bolsonaro.

Desemprego alto

O governo Bolsonaro manteve um desemprego médio anual de 11,4% entre 2019 e 2022 (junho), enquanto nos oito anos do governo Lula, o desemprego médio ­anual foi de 8%, e nos cinco anos de governo ­Dilma, de 6,6%. Nos 13 anos dos governos Lula e Dilma, o salário mínimo teve aumento real de 73,5% e a renda média de todos os brasileiros subiu cerca de 45,6%. Mas a renda dos 60% da população mais pobre cresceu acima de 70%, reduzindo a desigualdade do País.

No período Bolsonaro, a renda da população mais pobre e os salários em geral têm perdido a corrida para a inflação. Bolsonaro desmontou vários programas sociais e reduziu drasticamente a transferência de renda do Estado para os segmentos mais pobres da população.

Baixo nível de investimento

Uma das razões para as altas taxas de crescimento do governo Lula foi o aumento dos investimentos públicos e privados, com o PAC I e II e o programa habitacional Minha Casa Minha Vida (MCMV). Em 2010, a taxa de investimento passava de 20% do PIB e ­permaneceu nesse patamar até 2014. Havia também um amplo programa de estímulo às inovações e ao aumento da produtividade.

Entre 2019 e 2021, a taxa média de investimento foi de 17,1%, insuficiente para dinamizar a economia. Houve também cortes expressivos nas dotações para ciência e tecnologia. O investimento público em infraestrutura, um dos carros-chefes do crescimento nos governos Lula e Dilma, caiu de 73,2 bilhões, em 2010, para 29 bilhões de reais em 2021.

Estatais 

Durante o governo Lula, os bancos públicos e as empresas estatais, como Petrobras e Eletrobras, trabalhavam para aumentar o crédito e o investimento da economia, principalmente em momentos de crise, como no pós-2008. No governo Bolsonaro, as empresas estatais foram privatizadas ou submetidas à gestão privada e trabalharam contra o interesse público, para render polpudos dividendos aos acionistas.

Contas públicas 

A estratégia econômica bolsonarista resultou na deterioração das contas públicas e no aumento do endividamento do Estado. Foram anos seguidos de déficits primários e altos déficits nominais, que resultaram no aumento da dívida líquida, de 38% do PIB em 2010 para 61% previstos em 2022. Ao contrário do governo Lula, que gerou superávits primários em todos os oito anos de gestão, reduzindo a dívida pública líquida de 60% do PIB em 2002 para 38% do PIB em 2010.

A rigor, o ministro Paulo Guedes atropelou o teto de gastos e fez o que bem entendeu com as contas públicas, melhorando a situação fiscal de 2022 graças ao imposto inflacionário e à pedalada de precatórios e de outras despesas para 2023.

Orçamento-bomba

O próximo governo vai herdar um orçamento para 2023 sem recursos suficientes para o pagamento das despesas obrigatórias do governo federal, com um buraco de cerca 400 bilhões de reais entre novos gastos e desonerações tributárias. ­Para acomodar as emendas, que chegam no próximo ano a 38,5 bilhões de ­reais, o governo praticamente zerou o investimento público e reduziu os recursos de programas sociais importantes, tais como Farmácia Popular, Violência Contra a Mulher e recursos para creches.

Em resumo, este é o terrível espólio que o governo Bolsonaro vai nos deixar em 1º de janeiro de 2023. Um quadro dantesco que vai garantir que o capitão reformado figure no panteão dos piores governantes que o Brasil teve. •


*Foi ministro do Planejamento, presidente do BNDES e ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma. É professor da FGV-SP.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1228 DE CARTACAPITAL, EM 5 DE OUTUBRO DE 2022.

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