Economia

Tensão pós-Copom: Bolsa e dólar caem. Em maio, vem mais um aumento da Selic

A expectativa no mercado financeiro é de que o BC siga elevando a taxa básica até 5% neste ano e até 6% em 2022

Foto: Arquivo/Agência Brasil
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Por William Salasar e Cleide Sanchez Rodriguez

Parece coisa de livro-texto: o juro sobe, o dólar cai e a bolsa idem. A elevação da Selic, a taxa de juros de referência da economia, para 2,75% ao ano teve o efeito de fazer a bolsa baixar e o dólar cair, como é usual acontecer quando o custo do dinheiro sobe.

Na quarta-feira 17, o Comitê elevou os juros em 0,75 ponto percentual, acima do consenso do mercado, que previa uma alta de 0,50, e ainda mandou o recado de que não vai parar por aí. No comunicado divulgado após a reunião, deixou claro que em maio vai subir a Selic em 0,75 ponto percentual. A expectativa no mercado financeiro é de que o BC siga elevando a taxa básica até 5% neste ano e até 6% em 2022, quando a meta de inflação é de 3,5%.

O dólar refletiu com mais força a decisão do Copom, chegando a recuar 0,88%, a 5,54 reais por dólar e fechando em 5,56 reais (-0,31%) . Pelo livro-texto, a elevação dos juros pelo BC aumenta a rentabilidade das aplicações em renda fixa. Isso teoricamente tornaria o real brasileiro mais atrativo em um cenário internacional de juros perto de zero e liquidez elevada. E, também teoricamente, traria mais dólares ao País, reduzindo a pressão de alta sobre o câmbio.

“A prática confirmará a teoria?”, questiona Rafael Bevilacqua, estrategista-chefe da casa de análises financeiras Levante. “A questão é um dos melhores indicadores da percepção de riscos com relação à economia e essa percepção é ruim. Tanto que, há várias semanas, o BC diariamente vende dólares no mercado à vista e oferece contratos de ‘swap’ cambial para reduzir a pressão de alta sobre a taxa de câmbio. Mesmo assim, a cotação da moeda americana vem se sustentando acima de 5,50 reais”, sinaliza Bevilacqua.

Ele, como muitos outros analistas, vê na questão fiscal um dos principais fatores para o câmbio pressionado, embora admita que o juro terá um efeito, sim, quanto mais subir, porque as taxas reais, isto é, descontada a inflação, estavam negativas desde agosto/setembro, quando o BC reduziu a Selic para 2% a fim de estimular a economia combalida pela pandemia.

Juros futuros

Um efeito importante da forte alta na taxa Selic nesta quinta-feira foi observado na curva de juros futuros. Os contratos com vencimento em prazo mais curto (2022) subiram e caíram nos mais longos, absorvendo o choque da elevação. Entretanto, no decorrer do dia houve ligeira mudança no “humor” nos mercados globais, não só aqui no Brasil. Os títulos do tesouro americano (treasuries) de 10 anos subiram em função da decisão do Banco Central americano de manter inalterada a taxa de juros e aumentaram a percepção dos investidores de recrudescimento da inflação nos Estados Unidos, também por causa do robusto pacote de ajuda anunciado pelo governo para a retomada da economia.

“O dólar ganhou força em todo o mundo, afetando as bolsas”, afirma João Victor Freitas, analista da Toro Investimentos. O Ibovespa fechou em queda de 1,47%.

A corretora, assim como boa parte do mercado, acredita que a taxa Selic chegue aos 5,5% ou 6% ao ano no final de 2021. “A alta no Brasil e a manutenção dos juros americanos teriam tudo para fazer o real se apreciar, mas é preciso acompanhar”, avalia Freitas, ressaltando que é importante ficar de olho em dois pontos: o nível de retomada da economia americana e como isso vai influenciar as decisões do Federal Reserve, pois esse movimento afeta os ativos no mundo todo. Outra fator é a percepção do risco fiscal brasileiro.

Crédito mais caro

Para os tomadores de crédito, o efeito imediato da alta da Selic nas taxas de juros que os bancos cobram das pessoas e das empresas será assintomático, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade. O motivo é que existe uma diferença muito grande entre a taxa básica e os juros efetivos de prazo mais longo, o que dilui o impacto na ponta do tomador de crédito.

Nos cálculos da entidade, o juro médio para as pessoas físicas passará de 93,76% para 95,08% ao ano. Para as pessoas jurídicas, a taxa média sairá de 41,97% para 42,96% ao ano. Para entender o que isso representa, a Anefac mostra que, no financiamento de uma geladeira de 1,5 mil reais em 12 prestações, o comprador desembolsará 6,82 a mais com a nova taxa Selic. O cliente que entra no cheque especial em mil reais por vinte dias pagará 0,40 a mais.

“É certo, porém, que a continuidade dos aumentos, podendo a Selic chegar a 5% ao final do ano, aí sim já vai fazer um estrago maior”, diz o economista da Anefac Miguel de Oliveira, acrescentando a isso o fato de que o ambiente é extremamente ruim para o crédito. “Mesmo com a Selic estável como estava, os juros ao tomador subiram refletindo a alta dos juros no mercado futuro, a inadimplência que tende a subir com o desemprego muito alto, a queda da renda, o fim dos auxílios emergenciais e o fim da carência dos empréstimos, a moratória que as instituições deram aos tomadores no ano passado por causa da pandemia para não contabilizar perdas e fazer provisões. ”

Esses contratos começam a vencer justamente neste semestre, quando a pandemia se agrava, o desemprego cresce e os tomadores não têm condições de pagar, sinalizando tempos mais duros à frente conforme a Selic for subindo.

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