Economia

Relatório da Comissão de Ética sobre offshore é desfavorável a Campos Neto

Integrantes da comissão suspeitam que o presidente do BC teve acesso clandestino ao documento e, por isso, foi à Justiça para barrar a decisão

Comissão havia marcado para 27 de setembro o exame do processo. Foto: José Cruz/Agência Brasil
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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, conseguiu uma liminar judicial para impedir a Comissão de Ética Pública de julgar um processo que envolvia o fato de ele possuir empresa em paraíso fiscal. Seus advogados sustentam que a Lei de Autonomia do BC, de 2021, blinda seu cliente deste escrutínio.

Na comissão, há quem suspeite que Campos Neto descobriu de forma clandestina o conteúdo do relatório sobre o processo e, por isso, recorreu à Justiça. Desconfia-se ainda que ele busca a prescrição do caso.

Conforme CartaCapital apurou, o relatório é desfavorável ao banqueiro. Propõe instaurar contra ele um processo administrativo ético — na prática, uma espécie de investigação avançada. Esta investigação poderia descambar, ao menos em tese, em uma advertência contra o chefe do BC — ou até mesmo em uma recomendação ao presidente Lula para que o demita.

A comissão havia marcado para 27 de setembro o exame do processo, oriundo do escândalo dos Pandora Papers. Em outubro de 2021, um consórcio internacional de mídia divulgou o nome de figurões que eram donos de firmas em paraíso fiscal, as chamadas offshores. Campos Neto estava na lista, em razão da Cor Assets, aberta por ele em 2004 nas Ilhas Virgens com 1 milhão de dólares. À época, o banqueiro disse tê-la fechado em agosto de 2020.

O processo dormitou na Comissão de Ética de lá para cá. Os sete membros do grupo são indicados pelo presidente da República — entre 2021 e 2022 todos tinham sido designados por Jair Bolsonaro, o mesmo que levou Campos Neto ao comando do BC. Neste ano, após a entrada de cinco novos integrantes nomeados por Lula, o caso avançou.

O novo relator, Bruno Espiñeira Lemos, tirou o processo da gaveta e decidiu levá-lo à deliberação dos pares. O caso esteve na pauta das reuniões mensais de junho e julho. Depois, em um encontro extraordinário de 5 de setembro e, por fim, na sessão da ordinária daquele mês, no dia 27. O bloqueio por ordem judicial veio depois desta última reunião.

Quando um caso é pautado, o relator costuma distribuir antecipadamente aos colegas uma cópia de seu parecer. Alguns servidores da comissão também têm acesso ao documento. O grupo possui hoje dois membros herdados da era Bolsonaro: Edson Leonardo Dalescio Sá Teles, que entrou em 2021 e é o atual presidente da comissão, e Edvaldo Nilo de Almeida, que ingressou em 2022.

A Comissão de Ética foi notificada em 28 de setembro sobre a liminar favorável a Campos Neto. Teles, na condição de presidente, foi avisado antes, daí ter sido possível suspender o julgamento na véspera.

Os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, que defendem Campos Neto, entraram com um mandado de segurança na 16a Vara Federal Cível do Distrito Federal e pediam uma liminar, argumentando que a Lei de Autonomia do BC, de 2021, blinda a diretoria da instituição contra a Comissão de Ética.

“[O BC] não possui vinculação a qualquer ministério e nem está sujeito à tutela externa. Ou seja, neste caso não há nem mesmo a vinculação, e consequentemente o controle, com relação a ministérios, como há nos casos das autarquias comuns”, diz o documento. Sustentam ainda que a corregedoria do BC e a comissão de ética interna da instituição bastariam para examinar a situação de Campos Neto. “Por esta razão, se mostra ilegal que o seu dirigente máximo seja submetido a procedimento de correição pela Comissão de Ética Pública (CEP), a qual atua como instância consultiva do Presidente da República.”

Os argumentos convenceram o juiz da vara cível de Brasília. Na liminar, o magistrado escreveu: “Vislumbro evidente a ilegalidade da intervenção que se pretende evitar [o processo na Comissão de Ética Pública] por meio do presente mandado de segurança”.

A Advocacia Geral da União tenta, em nome da Comissão de Ética, derrubar a liminar. Recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1a Região com um agravo de instrumento. Seu relator é o desembargador Morais da Rocha, que não se manifestara até a conclusão desta reportagem.

A AGU argumenta que a Lei de Autonomia do BC não revogou a Lei de Conflito de Interesses. Esta, que é de 2013, aplica-se “aos ocupantes de cargo que tenham acesso a informações privilegiadas”. E define a Comissão de Ética Pública e a Controladoria Geral da União como as instâncias dentro do governo para examinar potenciais conflitos de interesse. O Código de Conduta da Alta Administração Federal, de 2000, é outra norma vigente apontada pela AGU como respaldo para a Comissão de Ética analisar a postura ética do chefe do BC.

A lei da autonomia, afirma o recurso da AGU, “não estabeleceu uma imunidade absoluta na seara ética para o presidente do BC, tampouco revogou, expressa ou tacitamente, as normas referentes ao Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal e de conflito de interesses”.

Quanto ao eventual exame da conduta de Campos Neto por repartições internas do próprio BC, a AGU diz que “a existência de apuração disciplinar contra o agente público não obsta a apuração de sua conduta sob o ponto de vista da ética pública e vice-versa”.

Autor de um pedido para a Comissão de Ética investigar um fundo exclusivo de 30 milhões de reais que seria de Campos Neto, o deputado Lindbergh Farias (PT-SP), concorda que a lei da autonomia não pode ser usada para blindá-lo. “O que nos impressiona é o silêncio da grande mídia, ela blinda muito [o Campos Neto], mas uma apuração da Comissão de Ética não tem como blindar.”

Caso a Comissão de Ética viesse a recomendar a Lula a demissão do banqueiro, a lei de autonomia permitiria? O senador pondera: “Se a Comissão de Ética condena, se tem uma decisão dura, a situação dele fica muito difícil. O Senado tem poderes para afastar o presidente do BC por alguns motivos”, avalia. “Nós temos como achar os caminhos jurídicos de afastá-lo.”

Procurados pela reportagem para prestar esclarecimentos sobre o processo na Comissão de Ética e o mandado de segurança, os advogados de Campos Neto não responderam.

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