Economia

Para o agronegócio, perspectiva é positiva

Os berros apocalípticos que falam em penúria não encontram base nos dados disponíveis

A informação é fator importante para o agricultor
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Foram poucas as Andanças Capitais nesta semana, o que me entristece. Ainda assim pude me divertir.

Atendendo gentileza de um banco de investimentos, compareci a uma palestra do professor e consultor Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central do Brasil, no período 1983/85.

Lá, cerca de 50 executivos e um colunista matuto, assistimos à apresentação de “Ausências, Chistes e Funerais”, título dado por mim.

Explico: a agropecuária não deu o ar da graça; o palestrante mencionou que diferenças conjunturais impossibilitam considerar maior a gravidade da inflação no período de Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda entre 1988 e 1990, do que a atual; foi ecumênica a reza diante do caixão de nossa economia.

O haraquiri coletivo só não aconteceu por que muitos dos presentes se mostraram peemedebistas desde criancinhas, esperançosos de que a dupla Cunha e Calheiros tire o País da sarjeta petista.

Sorte o agronegócio não ter comparecido. Presente, me faria correr ao supermercado mais próximo para providenciar suprimentos e assegurar o futuro de meu reduzido estômago.

Não fiz perguntas ou obstei argumentos. Como reagiriam aqueles ternos bem cortados e gravatas Hermès diante de meus jeans e botinas realistas?

Entenderiam que, nos últimos dez anos, houve profundas mudanças estruturais nas esferas de produção e distribuição de alimentos, fibras, produtos da silvicultura e energias renováveis?

Reconheceriam a contemporaneidade dos investimentos que enxergam retorno em temas como segurança alimentar, preservação ambiental, uso de energias renováveis, tendências regulatórias?

Ironizariam o fato de eu não estar emocionado com os berros apocalípticos da Legião Penúria Nacional, e apostar que o equilíbrio oferta e demanda não permitirá estragos duradouros ao agronegócio brasileiro?

Inquieto, no escritório, ajeitando-me para embarcar em nova andança, o Valor (26/03), me cutuca: “Safra recorde de grãos ainda pode superar 200 milhões de toneladas”. Da mesma fonte: “Dólar deve inflar margem da soja em MT em 2015/16”. Hoje, o jornal continua: “(…) apesar da desaceleração chinesa, FAO e OCDE projetam cenário positivo para o agronegócio brasileiro, nos próximos 10 anos”.

Na agropecuária, conjunturas de produção muito acima da demanda geram altos estoques finais e preços baixos. Sucedem períodos exacerbadamente inversos, de baixos estoques e preços altos, por influência de crises econômicas graves, adversidades climáticas ou incidência de pragas e doenças em determinadas regiões produtoras e exportadoras.

Esses ciclos costumavam ser mais duradouros. Hoje em dia, economias em perrengue, país nenhum pode sustentá-los e procuram o equilíbrio.

Bem, até aí morreu Neves e não ressuscitou, diria o frustrado, mas esforçado, percussionista de panelas.

Assim que foram anunciados os primeiros sinais de recuperação da economia norte-americana, largos sorrisos se abriram em rostos cerealistas e oleaginosos. O fim do suposto declínio dos EUA começava no campo. Somente o clima poderia estragar o palco para aquele concerto country. Nada aconteceu e o show correu espetacular até o final. O mesmo bom tempo continuou no hemisfério sul.

Resultado: depois de explodir em 2011, o índice de preços calculado pela FAO, para os cinco principais grupos agropecuários, manteve-se praticamente estável até julho de 2014. Período fantástico para quem produz no campo. Daí em diante, começou a declinar gradativamente, até em fevereiro deste ano acumular queda de 15%.

Não pensem ser esse um dilema exclusivo de grandes produtores de grãos, café, laticínios, suco de laranja ou carnes.

Se é verdade que, em 12 meses, soja e milho tomaram um ferro de 30%, parte compensada pela apreciação do dólar, é comum o mesmo acontecer com os campesinos José Bento dos Santos, Tomio Nishikawa e Giovanni Schiavone, em suas respectivas lavouras de melão, hortaliças e tabaco.

Estimulados por preços compensadores na colheita anterior, aumentam áreas e aplicações de tecnologia para se ferrarem na safra seguinte. Os preços caem. Muitas vezes, não chegam a cobrir os custos da colheita.

Essa mesma dinâmica comanda soja pequena ou pepino grande. Muito diferente de, na próxima semana, você escolher o ovo de chocolate que dará a alguém. Poderá ajustá-lo ao momento de seu bolso. Permitem isso, as diversidade e diferenciação das mercadorias, aí incluído certo fetiche, de que falava filósofo alemão barbudo no século 19, que não aconselharia ninguém buscar fetiche em soja, pepinos ou cenouras.

Dito isso, o estardalhaço que vem de folhas e telas, intermediários comerciais e especuladores financeiros, poderá errar ao influenciar sua livre decisão de plantio.

É cada vez mais necessário estar bem informado para analisar tendências, reduzir custos, e decidir o momento de comercializar.

Se isso não chega à agricultura familiar, ou esta não tem comprador garantido, os produtores pequenos, em culturas diversificadas, viverão roleta perigosa, capaz de deixá-los na tanga.

Na próxima coluna. Se eu não mudar de ideia.

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