Economia

O sonho da União Europeia ameaçado pela desarmonia

Problemas estruturais na Zona do Euro e fracassos econômicos arrastaram o projeto do pós-guerra para uma fase crítica. Por The Observer

O famoso logo em frente ao prédio do Banco Central Europeu, em Frankfurt, na Alemanha. Os problemas econômicos ameaçam a União Europeia
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Por William Keegan

Este colunista não chegou onde está hoje envolvendo-se em debates sobre imigração. Meu sobrenome irlandês fala por si. Mas passei a maior parte da minha carreira a manter um olhar atento para a Europa e, assim como muitos outros europeus, não gosto do modo como o sonho europeu está se transformando em um pesadelo.

O objetivo principal dos pais fundadores da Comunidade Europeia foi garantir que nunca mais houvesse outra guerra entre a Alemanha e o resto, sendo a França o país mais notável do resto.

Mas um objetivo estreitamente associado era garantir a prosperidade geral.  Entre outras coisas, essa prosperidade não daria origem à hiperinflação experimentada na Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial. Nem ao desemprego em massa que criou as condições para a eleição democrática de Hitler. Depois ele usou métodos antidemocráticos para permanecer no poder.

O objetivo dos dois pais fundadores mais proeminentes, Jean Monnet e Robert Schuman, era unir a Europa politicamente por meios econômicos. O pesadelo seria se os meios econômicos adotados nas últimas décadas servissem para desunir a Europa.

Um dos sucessores destacados de Monnet e Schuman, décadas depois, foi Valéry Giscard d’Estaing, que, como presidente da França na segunda metade dos anos 1970, foi um dos principais participantes da formação do sistema monetário e do mecanismo de taxa de câmbio europeus, precursores da união monetária plena e do euro.

É digno de nota que, em uma entrevista recente ao Financial Times, Giscard observou: “Dizem que as pessoas estão votando contra a Europa – e não é verdade. Elas estão votando contra o que a Europa está fazendo de errado”.

Para Giscard, o problema é a má gestão, e não a arquitetura básica da zona do euro. Mas se ele estudasse o oportuno novo livro de Philippe Legrain, European Spring – Why Our Economies and Politics are in a Mess [Primavera europeia – Por que nossas economias e nossa política estão uma confusão], ele poderia se inclinar mais a aceitar que a estrutura fundamental da Zona do Euro também é culpada.

Legrain, um ex-assessor econômico do presidente da Comissão Europeia, faz um vívido relato privilegiado de como a elite política e econômica europeia reagiu mal à crise financeira. Como no Reino Unido, fez-se o diagnóstico errado quando se depositou uma grande parte da culpa nos gastos públicos supostamente excessivos. Essa análise pode se aplicar à Grécia, mas não aos outros países, em oposição ao esmagamento do crédito.

A austeridade fiscal foi a reação errada. Agravou muito a crise. A crise se intensificou na Zona do Euro devido à perda de instrumentos como a independência para se determinar a política monetária e cambial. Mas, como Legrain indica forçosamente, a liberdade do Reino Unido dessas restrições não evitou que os fazedores de políticas depois de 2010 prolongassem a crise, com aqueles três anos de “linha plana”.

Giscard aceita que a Zona do Euro precisa de “políticas fiscais e econômicas harmonizadas”. Infelizmente, há toda evidência de que, até agora em seu registro, os fazedores de políticas da Zona do Euro dominados por um consenso pré-keynesiano na Alemanha provavelmente seriam especialistas em desarmonia.

Supostamente vai agradar a David Cameron o fato de Giscard distinguir entre o “grande projeto” – os atuais e potenciais novos membros da UE em uma zona predominantemente de livre comércio, e o “núcleo interno”, o qual favorece mais integração econômica e política.

Há várias ironias aqui. O entusiasmo francês pela Zona do Euro foi motivado parcialmente por seu desejo de uma Alemanha europeia, em vez de uma Europa alemã. Os políticos franceses pensaram que seriam menos submetidos às políticas econômicas restritivas do Bundesbank se houvesse um Banco Central Europeu. A frase popular era que os franceses queriam pôr os dedos no caixa do Bundesbank. Mas não funcionou assim.

A estratégia de vários governos britânicos foi tentar minar os planos continentais de “aprofundar” a Europa – isto é, por uma união cada vez mais estreita –, ampliando ou expandindo a Europa. Os britânicos estiveram entre os mais fortes defensores da ampliação da filiação à União Europeia aos membros do antigo bloco soviético. Por isso é muito antiesportivo para nós objetarmos às consequências óbvias para os fluxos de trabalhadores. Hoje descobrimos que a supostamente incontível vontade política da elite europeia de uma união cada vez mais estreita pode ser contrária à força irresistível daqueles cidadãos cansados chamados eleitores.

Mas lembro-me de uma conferência da qual participei em Hamburgo em novembro de 2008. Tanto Helmut Schmidt, ex-chanceler da Alemanha, como Giscard foram palestrantes. Schmidt, é claro, foi a outra força propulsora da formação do sistema monetário europeu.

Foi naquela conferência que sir Stephen Wall, cuja história de nossas negociações com a comunidade europeia eu citei recentemente nesta coluna, fez a revelação notável – pelo menos para mim – de que perto do final de sua vida Monnet teve dúvidas sobre o objetivo da união cada vez mais estreita.

Desconfio de que a visão do presidente De Gaulle de uma Europa de países-nações vai prevalecer no final, mas é importante que eles cooperem tanto quanto possível dentro da UE. Sempre pareceu haver um defeito fundamental na ideia de uns Estados Unidos da Europa. Afinal, os Estados Unidos da América foram formados por pessoas que deixaram a Europa.

Leia mais em Guardian.co.uk

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