Economia
O joio e o trigo
O cartão de crédito não é o vilão do endividamento, e sim as altíssimas taxas de juro praticadas pelo mercado


O Brasil é um dos países com maior taxa de endividamento do mundo e o atraso no pagamento de faturas de cartões de crédito é o tipo mais comum de dívida, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, a CNC. Não há, porém, um vilão nessa história. O crédito é o instrumento financeiro que faz com que os negócios aconteçam, além de aumentar a renda, gerar empregos e impulsionar a economia.
O acesso ao crédito é vital para a sobrevivência da família brasileira e das pequenas e médias empresas, reconhecidas como as maiores empregadoras. Ele impulsiona o consumo, favorece os negócios e permite que as instituições financeiras conquistem liquidez no curto prazo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Serasa, sete em cada dez brasileiros fazem uso do cartão de crédito. Desses, 91% disseram ter mais de um cartão.
Quando utilizado de maneira consciente, o cartão de crédito mostra-se um grande aliado, facilitando os pagamentos e a saúde financeira de quem o utiliza. Atualmente, o pagamento parcelado sem juros, é sem dúvida, um atrativo enraizado na cultura de consumo, tornando-se uma ferramenta essencial para as classes sociais com renda limitada, como as pertencentes às categorias D e E, que abrangem mais da metade da população. Impor restrições a parcelamentos sem juros poderia resultar na exclusão desses estratos sociais do acesso a bens e serviços de maior valor.
O parcelamento sem juros garante o acesso a bens de maior valor para as classes D e E
Segundo dados do Banco Central relativos a junho de 2023, a taxa média de juros para pessoas jurídicas era de 23,1% ao ano, enquanto pessoas físicas arcam com 59,1% a.a., causando uma dificuldade para quem mais necessita de crédito. Uma análise mais aprofundada desses indicadores revela que as transações de longo prazo e o crédito rotativo permaneceram relativamente estáveis na última década. O que chama atenção é o crescimento surpreendente nas emissões de novos cartões. Eram 152 milhões, em 2017, e passaram a 431 milhões no ano passado.
Muito provavelmente, o fenômeno tem como causa a entrada de novos participantes no mercado, a exemplo das fintechs. Mas o acesso indiscriminado ao crédito, sem uma análise aprofundada da capacidade de pagamento dos clientes, desencadeia uma série de riscos às famílias, aumentando na mesma proporção o endividamento, causado pelas altas taxas de juro associadas ao crédito rotativo nos casos de inadimplência.
Para resolver o problema do endividamento dos brasileiros, não adianta impor restrições aos cartões de crédito ou ao parcelamento sem juros. Existem outros fatores a ser considerados. O fácil acesso ao crédito, a falta de ensino sobre educação financeira nas escolas e para pequenos empresários que, em sua maioria, são os responsáveis pelas finanças, são alguns pontos importantes que impactam a economia e podem ser considerados grandes responsáveis pelo aumento do endividamento.
Por outro lado, as altas taxas de juro praticadas no mercado, associadas ao crédito rotativo em casos de inadimplência, contribuem para o endividamento e comprometem a saúde financeira dos brasileiros. Este é o retrato da falta de regulamentação que permite às instituições financeiras determinar, como bem entendem, as suas taxas, podendo ultrapassar 1.000% ao ano, tornando a modalidade a mais cara do País. As elevadas taxas de juro acabam por gerar insegurança, impactando negativamente a oferta de crédito, o consumo, os investimentos e até os gastos do governo.
É de suma importância ampliar o diálogo com os diversos atores econômicos, a fim de encontrar soluções para as altas taxas de juro no crédito rotativo, adequando-as para a realidade da população. Ainda é válido salientar sobre a lucratividade extraordinária que os bancos que atuam no mercado brasileiro têm. É imprescindível que aconteçam, com celeridade e muita prudência, debates e estudos, a fim de elaborar soluções que regulem as taxas de juro dos rotativos, criando condições para as famílias de baixa renda terem acesso ao crédito, e, ao mesmo tempo, proporcionar um ambiente de negócios saudável para as pequenas e médias empresas.
Esta é uma discussão que não pode ser pautada somente pelo Banco Central e pelos agentes do mercado financeiro. É uma discussão que deve ser ampla e precisa ter a participação dos setores produtivos, para encontrar uma solução equilibrada que não impacte a saúde financeira das pessoas. O cidadão brasileiro não suporta mais juros altos. •
*Presidente do Sistema Fecomercio de Minas Gerais, a incluir Sesc, Senac e sindicatos empresariais.
Publicado na edição n° 1277 de CartaCapital, em 20 de setembro de 2023.
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