Economia

‘No curto prazo, haverá volatilidade, ruído. No médio prazo estamos mais tranquilos’

André Rosenblit, chefe de equities do Santander Brasil, comenta os impactos do acirramento das tensões entre Executivo e Judiciário

Painel da B3 . Foto: Divulgação
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Diante dos persistentes ruídos políticos e fiscais, o Ibovespa opera novamente em queda nesta quarta 18. O S&P 500 e o Dow Jones, por sua vez, subiram impulsionados por um conjunto abundante de balanços de lucros trimestrais de empresas americanas

Para o chefe de equities do Banco Santander Brasil, André Rosenblit, inflação e juros podem incomodar muitos os investidores do curto prazo, mas o cenário para o médio e longo prazo ele vê como promissor – particularmente em razão da enorme liquidez existente no mundo, algo como 200 trilhões de dólares.

Para o Brasil, o cenário pode ser inquietante no curto prazo, sobretudo pelo acirramento das tensões entre Executivo e Judiciário. Mesmo assim, as perspectivas de médio prazo são mais alentadoras. Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida no final da semana passada a CartaCapital.

Confira, a seguir, os destaques.

CartaCapital: Como você está avaliando o cenário internacional, o que vem pela frente?

André Rosenblit: De forma geral, estamos otimistas com os mercados internacionais, principalmente devido ao forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, com perspectivas de alta acima do PIB potencial (o potencial de crescimento de uma nação sem causar pressões inflacionárias). A expectativa é de um crescimento do PIB global de 6% neste ano e 5% em 2022. A grande surpresa é a Grã Bretanha, dentre os países do chamado G 10 (que reúne as 10 principais nações industrializadas), que deve crescer 7% neste ano. Isto sem contar a China. Isso é muito positivo para mercados de capitais.

Estamos projetando um dólar talvez um pouco mais forte em razão do crescimento mais vigoroso nos EUA

CC: E quanto aos juros norte-americanos?

AR: Foi uma surpresa queda dos juros das Notas do Tesouro (T Notes) de 10 anos de prazo nas duas semanas, chegando a 1,12% ao ano, motivado basicamente pela variante Delta, pela piora do contágio. Mas também acredito que seja uma mudança de ciclo no mundo. O primeiro ciclo foi de grande impulso, de grande crescimento. A ideia é que agora estamos chegando ao fim desse primeiro ciclo e entrando num segundo, não necessariamente de queda, e sim de desaceleração do crescimento. E isso se refletiu nas Notas do Tesouro norte-americano. A par disso, houve a intervenção do governo chinês nas empresas com ações listadas em bolsas no exterior, o que gerou grande volatilidade e, daí uma fuga de capitais para os títulos dos EUA.

Com maior compra das Notas, os juros caem. Muitos hedge funds (fundos multimercado) apostavam, e ainda apostam, numa alta dos juros das Notas, de modo que tinham vendido o papel. Assim, quando os juros começaram a recuar, tiveram que recomprá-los, potencializando aquele movimento de queda. Tanto que os juros da T Note já voltaram a subir e estão em torno de 1,30% a.a.. Então, de 1,12% a 1,30% teve muito da zeragem dos hegde funds. Olhando para frente, a impressão que temos é que esse juro não fica em 1,30%, mas ruma para próximo de 1,70% a.a./1,75% no final do ano

CC: E quanto à inflação americana?

AR: Para o investidor de curto prazo, a maior preocupação do mundo é com a inflação. Agora, para o investidor mais preocupado com o médio e o longo prazos, a inflação não preocupa tanto. Mas independentemente das oscilações dos juros, o cenário para o mercado mundial de capitais é muito positivo. Em primeiro lugar, por causa da liquidez global, que é maior do que nunca. São cerca de 200 trilhões de dólares de liquidez global em busca de investimentos: fundos mútuos fechados, abertos, fundos de pensão, fundos soberanos, fundos das universidades, fundos dos bancos centrais, fundos de venture capital – e pessoa física, também.

E quando se soma os ativos de todas as bolsas do mundo, o montante não chega a 95 trilhões de dólares. É muito dinheiro que traz muita resiliência. É muita coisa. O mercado de bônus (títulos de renda fixa) gira em torno de 130 trilhões de dólares. Entretanto, com as taxas nos níveis em que se encontram na maioria dos países, o dinheiro não está migrando para a renda fixa – ainda. Isso pode estar acontecendo no Brasil, mas não no mundo todo. Esse é o primeiro ponto que nos deixa muito positivos em relação a ações.

CC: E a intervenção do governo chinês nas empresas com ações em bolsas, além de outras medidas que sinalizam uma inflexão de rumos dentro do próprio Partido Comunista Chinês?

AR: Eu acho que tem um motivo por trás de tudo isso. Algumas empresas, a Alibaba, a Didi, a Tencent, a MakeOne são listadas nos EUA e para isso têm que abrir vários números, dados, etc. e o governo chinês entende que tem muita informação estratégica no meio. O segundo ponto, é que o governo está vendo que as gigantes de tecnologia seguem a filosofia do vencedor leva tudo – isso não agrada a governo algum. Agora, o governo norte-americano deixa fluir, ele é mais liberal. Já o governo chinês não tem essa visão liberal. Para ele, as universidades não devem ser orientadas para ter receitas, mas serem focadas em educação. Aí, as ações das empresa de educação nos EUA caíram 30%, 40%.

Depois, proibiu divulgação da Didi em algumas propagandas e alguns aplicativos de celular, bem no momento em que a Didi fazia o IPO (oferta pública inicial de ações). Isso gera dúvidas e os investidores ficam com receio de aplicar em ações chinesas nas bolsas norte-americanas. E quando se compara as ações da Alibaba com Mercado Livre ou com Amazon, o desempenho delas ficou muito para trás. Isso não significa, necessariamente, que ela ganhou menos dinheiro. Ao contrário, a questão foi mesmo o medo da interferência. Mesmo assim, estamos muito otimistas com o mercado mundial em geral.

CC: E o mercado de câmbio, o dólar, como vocês estão vendo?

AR: Estamos projetando um dólar talvez um pouco mais forte em razão do crescimento mais vigoroso nos EUA e também por causa do tapering (a retirada dos estímulos monetários para combater a retração da economia provocada pela crise sanitária), que pode afetar as moedas e fortalecer a moeda americana.

CC: E as commodities?

AR: Apesar das pessoas acharem que o ciclo está no fim, ou parou de subir, eu penso que vai ser mais longo. Em 2002, quando o Lula ganhou as eleições, as commodities também subiram muito, estimuladas pelas compras da China. Naquela época, o PIB per capita chinês ultrapassou o número “mágico” de 2 mil/2,5 mil dólares. Existe um consenso entre economistas de que quando o PIB per capita de um país ultrapasse 2,2mil, 2,3 mil dólares, esse país passa a ter acesso a commodities em geral. O indivíduo come menos carboidrato e quer consumir mais proteínas, já pensa em ter celular, comprar carro, a casa própria. Aí, começa a aumentar a demanda por metais, grãos, energia. Isso fez com que naquela época, os preços das commodities subissem muito. Bom, 20 anos depois da China, temos Índia, Paquistão, Bangladesh, Nigéria, Sudão e mais alguns países entrando nessa faixa de 2 mil, 2,5 mil dólares de renda per capita, o que vai gerar uma demanda extra pelas commodities por alguns bons anos.

CC: Vamos, agora, falar de Brasil.

AR: Infelizmente, as notícias não são tão boas. No curto prazo, haverá volatilidade, vai ter ruído. Já no médio prazo estamos até mais tranquilos. Esperamos ver o PIB crescer 5% neste ano e mais 2% no próximo ano. Uma inflação medida pelo IPCA próxima de 6,7%%, ou 6,8%, neste ano, convergindo para 4% no próximo ano – o que me parece ser uma missão bastante dura para o Banco Central. O dólar fica próximo de 5,05 reais neste ano e 5,55 reais em 2022. E a Selic deve fechar 2021 em 7,5% e 7,5% no próximo ano, também. O BC já indicou um ciclo de aperto acima do juro neutro, uma decisão que vai fazer com que aumente a taxa Selic 1 ponto percentual, em setembro, e subir gradativamente até chegar ao final do ano em 7,5%.

Acho que o BC está agindo corretamente. Sem dúvida nenhuma, o BC endureceu muito a aposta, considerando que, duas reuniões atrás,  falava em ajuste parcial. A situação se inverteu um pouco. A inflação não só de commodities como também de serviços vem impactando o IPCA. Além disso, há dúvidas em relação ao lado fiscal. O medo do BC é que a questão fiscal possa trazer mais volatilidade e mais pressão no câmbio, que impacta ainda mais a inflação. Talvez o BC esteja sendo um pouco hawkish (mais “falcão”, ou seja mais duro, mais inflexível; por oposição a “pomba”, mais suave, mais flexível) agora para não ter que sê-lo mais à frente. É uma visão muito em linha com o mercado. O BC quer, agora, não volatilidade, sem surpresas, o que ele quer é controle, principalmente da inflação.

CC: Essa tensão política, você diria que ela bate direto no câmbio, que é o mercado mais sensível, por assim dizer, o dente que dói?

AR: Em geral, sim, porém, na semana passada, quem doeu mais não foi o dólar, mas foi o juro. O contrato futuro de Depósito Interfinanceiro (DI futuro) de dez anos bateu 10%, agora está em 8%, mas chegou a 10,01%. A impressão que eu tenho do dólar passa pelo Brasil ser um país de commodities, vai crescer 5% este ano, os números da dívida bruta sobre o PIB surpreenderam. Ou seja, abriu um espaço para o dólar cair para 4,50 reais, 4,60 reais. Agora, o risco político colocou um suporte a 5,00 reais, que ficou inacreditável. Nós, aqui, notamos que toda a vez que o dólar tende a ir para 5,00 reais entram fundos comprando, private banks comprando, exportador comprando.

Então, fico muito confortável em dizer que o câmbio tem um suporte muito confiável em 5,00 reais. O dólar, desde o início de 2020, desde o início da pandemia, oscila entre 5,00 e 5,50 reais, com alguns picos próximos dos 5,80. A mediana é 5,25 reais. Tem muita coisa para acontecer, porém no curto prazo entendo que a probabilidade é maior o dólar ir para 5,10 reais do que para 5,35 reais. A estimativa oficial do Santander é 5,05 reais no final deste ano e 5,55 reais no final do próximo ano. A dúvida é: essa taxa de juros vai fazer migrar dinheiro de renda variável para renda fixa?

CC: Normalmente é uma gangorra: quando o juro sobe a bolsa cai, e quando o juro cai a bolsa. Mas a bolsa não dá a impressão de estar sem direção? Uma hora ela dá impressão de que vai decolar, e depois cai.

AR: É voo da galinha. Precisa notar que commodities constituem 45% da bolsa brasileira, então commodities não dependem de política monetária, nem de ciclo interno de taxas de juros. Commodities dependem de duas coisas: demanda e oferta e nível de estoques. Isso é o que afeta commodities. Logo, quase metade da bolsa brasileira é imune a taxa de juros. O que aconteceu nestes meses de junho/julho é que saiu bastante dinheiro de renda variável e foi para renda fixa. Eu diria que a Geração X (os nascidos a partir de 1960) são os viciados em renda fixa. Os millenials, os mais perto da Geração X, voltaram para a renda fixa, e os da Geração Z (nascidos a partir de 2000) permanecem na renda variável. E a galera da Geração Z que não tem o vício da renda fixa, continuam na renda variável. O que vimos nos últimos três anos, foi um superprocesso de “equitização”, em que quase 4 milhões de CPFs entraram na Bolsa.

 

Quando entrei no banco, cinco anos atrás, eu brincava que o Brasil tinha mais presidiários (eram uns 800 mil) do que investidores na Bolsa… E na questão dos fundos de ações, o Brasil tem hoje uma indústria de fundos que gira em torno de 6 trilhões de reais. Desse total, cerca de  600 bilhões de reais são de fundos de ações, ou seja,  10% da indústria de fundos são de ações – isso sem contar as aplicações em ações dos fundos multimercados. Há cinco anos, a participação dos fundos de ações na carteira das administradoras de recursos era de 2%, 3%. Hoje, essa participação é de 10%. Minha impressão é de que temos tudo para ser de 15% daqui a uns poucos anos.

Para o brasileiro que tem uma visão mais de longo prazo, a bolsa ainda é uma excelente opção. E um por um único motivo: o PL da bolsa brasileira é 9,4, enquanto a bolsa dos EUA é 20 e da Ásia e outros emergentes, o PL é 14. Por isso, eu digo que a bolsa brasileira está 40% mais barata do que as outros emergentes. Por que isso? Tecnologia. As ações de commodities no Brasil – Petrobras, Vale, siderurgia – o PL dessas empresas é em torno de 6. O que encarece um pouco a bolsa são as empresas de consumo, que são por natureza mais caras. O Brasil é barato. Por mais que tenha voltado a 120 mil pontos, tem que olhar a relação do preço com o crescimento de lucros, que continua superatrativa. É por isso que a bolsa não sofreu nada com a saída de pessoa física, porque houve a entrada de estrangeiros, que compensou a saída do pessoal que foi para a renda fixa.

CC: Por que o estrangeiro não vem com aquele apetite do ciclo anterior de commodities, embora não se possa esquecer que a pandemia tornou tudo muito instável e incerto?

AR: O índice dos mercados emergentes MSCI (Morgan Stanley Capital International), que atribui um peso para cada país emergente do mundo, em 2002, conferia um peso de 15/16% para o Brasil. Nestes 20 anos, houve um avanço muito grande de tecnologia, em que empresas dessa área, como Alibaba, TenCent, Samsung, MakOne e outras ganharam muito mais espaço do que companhias como Petro China, Petrobras, Vale, CSN, Usiminas. Ou seja, o Brasil perdeu uma relevância de 15% no MSCI Emerging Markets, para 5%, hoje. Olha, 15 anos atrás, meu telefone tocava com gringos querendo saber de Brasil e hoje eu peço para falar com eles. O Brasil, como eu posso dizer, diante de uma mudança de radar, das commodities para a tecnologia, o Brasil perdeu valor. Eles diminuíram o número de analistas para América Latina – que também não contribuiu. Basicamente, se divide o mundo emergente em Ásia, Europa Oriental, América Latina e África – e África é muito mais África do Sul.

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