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Mickey no aperto

Após um século de sucesso global, a Disney planeja mudança de rumos

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Navalha. De volta ao comando, Bob Iger pretende cortar 7 mil postos de trabalho para reduzir custos em 5,5 bilhões de dólares e fazer a empresa voltar a lucrar – Imagem: Thomas Hawk e Redes sociais
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Enquanto a Disney celebra, nesta semana, um século brilhante de sucesso global, a portas fechadas seus principais executivos avaliam o que poderá ser a mudança mais radical na história da maior empresa de entretenimento do mundo. Bob Iger, o “Senhor Resolve-Tudo” da Disney, fez um retorno surpreendente como executivo-chefe em novembro passado, após a demissão de seu sucessor escolhido a dedo, Bob Chapek, cujo reinado desastroso durou menos de dois anos. Os desafios que Iger enfrenta são inúmeros e complexos. “Temos muito a fazer”, afirmou aos funcionários na reunião de anúncio do seu regresso oficial.

Um poderoso investidor ativista faz campanha por assentos no conselho, discute-se a venda de joias da coroa, incluindo a ESPN e a ABC, uma dura batalha legal sobre o futuro de seus parques temáticos na Flórida continua e seu domínio nos filmes de grande sucesso está estagnando. Isso sem contar a questão de como ele pode transformar um serviço de streaming deficitário na chave comercial para o futuro da Disney.

“A Disney é uma das empresas e marcas de maior sucesso na história do mundo, mas hoje enfrenta uma bifurcação no caminho”, afirma Dan Ives, analista da Wedbush, com sede nos EUA. “A ­Disney enfrentou muitos desafios em seus cem anos, mas este é o período decisivo.”

O lançamento do Disney+ por Iger, no momento em que a pandemia varria o planeta, foi um acaso, pois o isolamento resultou numa adesão estratosférica aos serviços de streaming. Os investidores atribuíram as enormes perdas que a Disney sofria ao desafiar a Netflix como uma estratégia para preparar a empresa para o futuro, a era da visualização digital. Dezesseis meses após o lançamento, o Disney+ ultrapassou 100 milhões de assinantes, embora as perdas chegassem a bilhões de dólares. Implacáveis, os investidores levaram o preço das ações da Disney a um pico histórico, de 201,91 dólares em março de 2021, e a administração deleitou-se com o brilho de um valor de mercado de 370 bilhões de dólares.

Uma Disney otimista até previu que ultrapassaria a Netflix, que tem uma base global de 239 milhões de assinantes, até 2024. Desde então, as ações da Disney caí­ram quase 60% e o número de assinantes baixou para 146 milhões – de um máximo de 164 milhões – com a estagnação do mercado de streaming após a pandemia. Para tranquilizar os investidores, um novo foco na rentabilidade trouxe o lançamento de um nível de negócios apoiados por publicidade. Uma repressão ao compartilhamento de senhas deve ocorrer em breve. “Eles apostaram no cavalo certo na hora errada, em termos de streaming e negócios digitais”, avalia Ives.

Iger planeia cortar 7 mil postos de trabalho como parte de uma campanha para reduzir custos em 5,5 bilhões de dólares e restabelecer os dividendos. Na semana passada, Nelson Peltz, o bilionário fundador da empresa ativista Trian ­Partners, renovou sua pressão por lugares no conselho administrativo da ­Disney, aumentando sua participação na empresa para 2,5 bilhões de dólares.

O maior desafio é tornar um serviço de streaming deficitário na chave comercial para assegurar um futuro próspero

Da mesma forma, há pressão para se considerar a venda de ativos, como a rede nacional de tevê ABC – que abriga programas como Grey’s Anatomy – e a gigante dos esportes a cabo ESPN, que a Disney adquiriu em 1996. Uma das reclamações de Peltz foi que Iger pagou a mais pela 21st Century Fox, que comprou de Rupert ­Murdoch em 2019 por 71 bilhões de dólares, e que inclui franquias de filmes como ­Avatar e ­X-Men e programas de tevê populares como Os Simpsons e Modern Family.

Os acordos de estúdio anteriores de Iger trouxeram franquias lucrativas. Com a Marvel, a Lucasfilm e a Pixar vieram Os Vingadores, Star Wars e Procurando Nemo. Mas o apetite por sagas de super-heróis está diminuindo e a Disney não aumentou significativamente sua participação global nas bilheterias de cinema nos últimos três anos.

Em outras partes do império, a Casa de Mickey está duplicando sua crescente divisão de parques temáticos e cruzeiros, anunciando um investimento de 60 bilhões de dólares na próxima década. O investimento ocorre em meio a uma dura batalha legal com o governador da Flórida, Ron DeSantis, que busca a indicação republicana para as eleições presidenciais dos EUA no próximo ano.

No ano passado, DeSantis aprovou uma legislação que retira da Disney um estatuto fiscal especial, criado por lei em 1967, que lhe permite autogovernar a área de cerca de 10.117 hectares em Orlando, onde fica seu complexo de parques temáticos Walt Disney World. A medida foi vista como uma retribuição pela oposição da companhia à nova lei “não diga gay” da Flórida, que limita a discussão de questões LGBTQ+ nas escolas.

DeSantis argumentou que “a Disney consciente” não deve receber tratamento especial no estado. Apesar dessa batalha terrestre, é a forma como a Disney lida com a mudança tectônica na economia e no consumo do seu mundo nas telas que determinará seu sucesso enquanto embarca em seu segundo século.

“Os desafios que vemos para todos os conglomerados de mídia refletem o ritmo das mudanças no mundo, que exigem uma nova abordagem de todos”, afirma Josh Berger, ex-presidente da Warner Bros. no Reino Unido, Irlanda e Espanha. “Ainda estamos vivenciando as convulsões desde o início da digitalização da mídia, a mais profunda das quais foi a revolução do streaming. É um cenário econômico diferente e as grandes empresas de mídia tradicionais, que não são conhecidas por sua agilidade, estão apenas tentando acompanhar o ritmo.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1283 de CartaCapital, em 01 de novembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Mickey no aperto’

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