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A era da fidelização

Catalogação de fãs, sorteio de mimos e convites para eventos especiais são algumas das estratégias às quais os artistas recorrem em busca de seguidores

Lives e chats. A banda Supercombo, Supla e Pedro Altério, integrante do 5 a Seco, investem no corpo a corpo na internet para vender discos e lotar shows – Imagem: Redes sociais
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Para lançar seu último single, Ratazana de iPhone, o roqueiro paulistano Supla adotou uma estratégia de guerrilha: conclamou o grupo de fãs que o segue nas redes sociais a escutar sua música. Depois, organizou uma live para destrinchar a canção e responder às perguntas dos internautas.

Supla tem 58 mil assinantes em seu canal no YouTube e 820 mil seguidores no Instagram. Ratazana de iPhone teve 17 mil audições no Spotify. Trata-se de um resultado modesto para o universo do show biz, mas significativo para um artista do mercado independente.

“É importante estar sempre conectado na internet, alimentando seu seguidor com informações sobre o que você vai lançar. No meu caso, tem funcionado”, diz Supla a Carta Capital. Ações de fidelização do público, como a praticada pelo roqueiro de cabeleira platinada, têm sido uma constante no mercado independente.

Graças ao corpo a corpo com o público, bandas como 5 a Seco e Supercombo e cantoras como Mariana Nolasco têm conseguido, mesmo sem uma grande estrutura financeira, chegar a resultados comerciais interessantes

Hoje, antes de contratar um artista, as gravadoras avaliam seu nível de engajamento nas redes sociais

Há muitas versões para o marco zero da chegada do conceito de “fidelização”, originalmente usado por empresas e marcas, à música. Mas, no começo dessa história, esteve, por exemplo, o grupo Los Hermanos, que, no início dos anos 2000, passou a alimentar constantemente seu site. Naquele momento, os sites eram mais um espaço institucional do que um meio de comunicação entre a banda e seus fãs.

“A gente tinha desde playlists criadas pelos integrantes do grupo até ­blogs pessoais, que eram atualizados semanalmente”, lembra o empresário e diretor de marketing Marcos Sketch. O site era atualizado diariamente e trazia, por exemplo, registros de canções em shows – embora a qualidade do som digital fosse, àquela altura, uma questão a resolver.

Outra ideia foi burilar um conteúdo pago, o Clube Los Hermanos, que trazia não só notícias e versões inéditas de canções, mas mimos para os seguidores, como a possibilidade de comprar ingressos antecipadamente. Essa prática seria mais tarde adotada por bandas como Teatro Mágico, hoje uma potência no mercado independente, com 269 mil seguidores no Instagram e 325 mil inscritos no YouTube.

Na maior parte dos casos, o trabalho de fidelização começa com a identificação dos admiradores do artista ou banda. Feito o “catálogo dos seguidores”, parte-se para o contato direto. Foi assim com o coletivo paulistano 5 a Seco, surgido em 2009.

O 5 a Seco domina com maestria um estilo para o qual as gravadoras não davam bola: uma MPB solar, com influência de nomes como Lenine e Chico César. Foi o método de fidelização que os tirou do limbo a que costumavam ficar relegados artistas sem vínculo com uma multinacional.

“No início da banda, a gente pegava o e-mail de quem ia aos shows porque sabia que aquelas informações seriam muito valiosas: contávamos com o boca a boca”, diz Pedro Altério, um dos integrantes do grupo. De posse dessas informações, o 5 a Seco passou a criar conteúdo para alimentar o pequeno fã-clube. “Começamos a fazer os ‘vídeos-convite’, que eram curtos e bem-humorados, e traziam sempre uma historinha. Eles eram postados nas redes e disparados por e-mail.”

Graças a iniciativas como essas, além do sorteio de mimos – como CDs autografados –, o coletivo conseguiu, em 2012, lotar o Auditório Ibirapuera, em São Paulo, por três noites. Quatro anos atrás, o grupo pausou suas atividades e, desde então, o contato com os fãs é feito individualmente pelos membros da banda. Altério lançou, este ano, De Cara Limpa, seu primeiro álbum solo.

O grupo capixaba Supercombo é outro caso bem-sucedido de fidelização. Nascida em Vitória, a banda passou por diversas formações até se fixar em Leonardo Ramos (guitarra, voz e único integrante do conjunto original), Carol Navarro (baixo), Paulo Vaz (teclados) e André Dea (bateria).

A primeira plataforma na qual apostaram foi o MySpace, que permitia aos artistas independentes mostrar suas criações. Ali, chamaram atenção a ponto de terem ido parar no programa Superstar, da Globo. “A partir disso, começamos a tratar o grupo como se fosse uma empresa”, diz Leonardo Ramos. Em 2014, uma canção do grupo, Piloto Automático, foi a segunda mais compartilhada no Spotify,

Plataforma. O Teatro Mágico, hoje uma potência do mercado independente, tem 269 mil seguidores no Instagram – Imagem: Redes sociais

O quarteto tem hoje 172 mil seguidores no Instagram e mais de 1 milhão de inscritos no YouTube. A interação com os fãs é tal que três canções do disco Remédios, seu mais recente lançamento, entraram nos trending topics do Twitter. “Fui entendendo junto à banda que ferramentas digitais cabiam no nosso projeto e como a gente poderia fazer isso funcionar de um jeito que deixasse a galera sempre a fim de nos acompanhar”, diz Ramos, que cria lives e conteúdos até para o Twitch, plataforma com foco em games.

A constituição de uma base de fãs nas redes sociais acabou levando o Supercombo, que sempre foi independente, a uma gravadora. Foi a Deck, a mesma “casa” da roqueira Pitty, que lançou Remédios.

Mariana Nolasco, por sua vez, preferiu focar sua energia no YouTube – espaço nobre para quem busca a fidelização. A cantora, que hoje tem 25 anos, começou a postar versões de sucessos do pop aos 13 anos. “Quando comecei, a questão de distribuição digital era embrionária”, diz ela. “Tive de aprender com as mudanças que o mercado musical já vinha apresentando.”

Mariana tem 3,9 milhões de seguidores no Instagram e seu canal no YouTube chega perto de 5 milhões de assinantes. Seu primeiro disco autoral, Mariana Nolasco, de 2017, foi viabilizado por um financiamento coletivo. Sua estratégia segue os mesmos preceitos de Hermanos, 5 a Seco e Supercombo: catalogação de fãs, convites e recados especiais.

“A constância na comunicação e a ­expertise em convidar para o meu universo todos os que por algum momento esboçaram interesse no que tenho para entregar são valiosas e primordiais. Criamos uma troca e uma proximidade”, diz ela. Seu próximo trabalho será lançado pela No Santo Som, ligada à Universal Music.

Mariana Nolasco surgiu no YouTube aos 13 anos e tem hoje 5 milhões de assinantes

Henrique Portugal, tecladista do Skank, grupo que ditou as regras do pop dos anos 1990, observa que o mercado sofreu uma mudança brutal em relação aos tempos em que ele buscava um lugar ao sol. A principal é que há menos tempo para se desenvolver a carreira de um contratado. “As grandes gravadoras estão contratando artistas prontos, e os artistas independentes que têm bons números de redes sociais costumam ser os melhores vendedores de merchandising”, diz.

As gravadoras hoje possuem departamentos dedicados a esse contato direto com os fãs. Eles são chamados de Costumer Relationship Managers (CRM), que se dedicam a mapear os fãs de seus contratados e ajudam em ações que estreitem os laços dos artistas junto ao seu público. “Fazemos algumas ações de pré-saves para gerar engajamento. O fã que faz o pré-save recebe conteúdos exclusivos do artista durante um período”, diz Cristiane Simões, vice-presidente de marketing e promoções da Sony Music.

“Também mantemos uma relação muito próxima com os fã-clubes. Fazemos audições de lançamentos em primeira mão, avisamos antecipadamente sobre eventos para eles poderem se programar melhor e convidamos para gravações de clipes”, prossegue a executiva. “Fizemos uma ação para o fã-clube do Roberto Carlos, no aniversário dele, chamando as fãs mais ativas para um chá da tarde com karaokê para comemorar o aniversário do ídolo delas.” Se nem o Rei prescinde disso, o que dizer de um jovem artista independente? •

Publicado na edição n° 1266 de CartaCapital, em 05 de julho de 2023.

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