Mailson da Nóbrega e o país da piada pronta

O ex-ministro da hiperinflação no governo Sarney evoca o fantasma da alta de preços para atacar a CNBB e defender a reforma da Previdência

Maílson: ataque à CNBB

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Em recente artigo, Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney, criticou a nota emitida pela CNBB contra a reforma da Previdência proposta por Michel Temer. Disse que “o manifesto dos bispos está cheio de equívocos ao afirmar que a reforma prejudica os pobres” e que “o fracasso da reforma levaria à insolvência do governo, prejudicando os que investiram em títulos do Tesouro e nos levando de volta aos horrores da hiperinflação”.

O Brasil é, de fato, o país da piada pronta. Maílson que, quando ministro, entre janeiro de 1988 e março de 1990, nos brindou com a maior inflação de nossa história, surge agora nos alertando para os horrores da hiperinflação. Tendo herdado uma taxa de 363,4% em 1987, plantou a política “feijão com arroz” para evitar a hiperinflação e colheu uma taxa de 980,2% em 1988. Lançou o Plano Verão em 1989 e a inflação saltou para 1.972,9%. No primeiro trimestre de 1990, a inflação média mensal foi de 75,2%. Em seus 27 meses na Fazenda, conseguiu a proeza de gerar uma inflação acumulada de incríveis 120.249,7%.

De forma sarcástica e deselegante, Maílson afirmou que “o manifesto é um rosário de equívocos. A preparação dos bispos tem mais a ver com filosofia, direito canônico e teoria eclesiástica. Eles não estudam economia”. Maílson desdenhou dos bispos ao dizer que eles não estudam economia, mas ele que estudou, parece não ter aprendido muito.

No artigo “Do ajuste à abertura: a economia brasileira em transição para os Anos 90”, Regis Bonelli e Elena Landau (PUC/RJ, 1990) nos mostram o legado de sua política “feijão aguado com arroz azedo”: além da inflação recorde, queda do PIB per capita de 0,5% no período, déficit fiscal (conceito operacional) de 4,3% do PIB em 1988 e de 12,4% em 1989, crescimento de 158% nos gastos com juros da dívida pública em 1989, ágio de 77% do dólar no mercado paralelo, salário mínimo equivalente a 70 dólares (hoje são 300) e Índice de Gini saltando de 0,594 em 1987 para 0,612 em 1988. Sempre um “grande amigo” do mercado financeiro, Maílson antevia Fernando Collor e pregava a privatização, o corte nos gastos públicos, a extinção de órgãos públicos e a demissão de servidores contratados há até cinco anos.

A CNBB, em sua nota, afirma corretamente que “o sistema da Previdência Social possui uma intrínseca matriz ética, que é criada para a proteção social de indivíduos expostos à vulnerabilidade social (idosos, enfermos, acidentados, gestantes)”, critica que o governo ‘soluciona o problema’ rebaixando direitos dos mais necessitados (trabalhadores rurais, mulheres, viúvas e viúvos, beneficiários do BPC) e conclui que “nenhuma solução pode prescindir de valores éticos-sociais e solidários, reduzindo a Previdência (como faz o governo) a uma questão econômica”. Esse foi o espírito que norteou os constituintes em 1988, ao instituírem as fontes de financiamento da Seguridade Social, que abrange a Previdência.

Ocorre que Maílson foi e é também um feroz crítico da Constituição Federal de 1988. No artigo “A Constituição das escolhas erradas”, de outubro de 2008, diz que “os constituintes basearam-se em visões idílicas de como resolver problemas sociais” e “que as vozes da sensatez no Congresso Nacional foram caladas pelo anticapitalismo”, concluindo que “em vez de uma nova Constituição, bastaria emendar a do regime militar, dela extirpando os poderes de arbítrio”.  Em recente seminário promovido pelo “Estadão”, afirmou que “a CF incentiva a busca de direitos incompatíveis com o orçamento e fez a utopia social se tornar lei”.


Ao tentar desqualificar os bispos e a própria CNBB, Maílson demonstra a fragilidade dos argumentos dos defensores da reforma da Previdência e a desumanização da questão, reduzindo a discussão à necessidade de cortar gastos, mesmo que isso signifique piorar a condição de vida de milhões de brasileiros, justamente das camadas mais pobre, e revela a que serve: preservar os ganhos dos que investiram em títulos do Tesouro.

* Presidente do Conselho Federal de Economia

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