Economia

Japão se isola e não altera taxa de juros – apesar da inflação mais alta em 30 anos

Na contramão do mundo, o país parece dobrar o tamanho da sua aposta na capacidade dos mercados resolverem, por iniciativa própria, os graves desafios que se impõem

Cidadãs caminham de máscara no Japão. Foto: CHARLY TRIBALLEAU/AFP
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O Banco Central do Japão decidiu manter inalterada sua taxa de juros, que passa a ser agora a única negativa no mundo, com os juros de curto prazo no patamar de -0,1%. Apesar de amplamente esperada pelo mercado, a decisão isola o país em termos de política monetária e combate a inflação, que atingiu o nível mais alto em 31 anos.

A escolha pela manutenção das taxas levou ainda a uma intervenção no mercado cambial, visando segurar a queda do iene (moeda local), uma medida que não é tomada desde 1998. Conforme todas as outras principais economias, avançadas e emergentes, aumentam suas taxas de juros, a opção pela moeda japonesa perde força. Considerando apenas o ano de 2022, o iene perdeu cerca de 20% do valor contra o dólar.

O movimento vem na esteira daquilo que foi chamado de “super quarta”, visto que os EUA anunciaram novo aumento de 0,75% em sua taxa de juros, seguido pelo Banco Central do Brasil, que manteve a Selic em 13,75% ao ano, e diversos outros países anunciaram aumentos nesta quinta-feira. Isto inclui a Suíça, que saiu do território de juros negativos pela primeira vez em oito anos.

Esse processo global de endurecimento nas condições de crédito resulta da necessidade de combater os altos índices de inflação que acompanharam o processo de retomada econômica pós-Covid. A política, bastante comum em termos macroeconômicos, envolve encarecer o custo dos empréstimos para que isso freie a produção e consumo, que por sua vez desaquece a economia, levando a uma queda ou estabilização dos preços.

A lógica é simples: como a taxa básica define o juro pago por um empréstimo feito ao governo nacional, que é a entidade de menor risco numa economia pois tem o monopólio da produção de dinheiro, todos os demais empréstimos usam essa taxa como base. Se a taxa básica se eleva, todas as outras sobem com ela, refletindo o novo cenário.

A delicada situação japonesa

O cenário no Japão é particularmente complicado porque envolve uma das maiores economias do planeta, além das mais peculiares. Por ser um conjunto de ilhas relativamente pequenas, o país precisa importar basicamente tudo, em especial fontes de energia e alimentação. O grande problema é que, com as taxas ultrabaixas, o preço do iene em relação ao dólar, moeda global de troca, segue despencando e isso prejudica fortemente a estrutura produtiva do país, focada em indústrias de altíssimo valor agregado.

Ao mesmo tempo, dada a fragilidade da recuperação econômica do país ao longo dos últimos anos, uma política contracionista – isto é, de aumento nas taxas de juros – pode levar a uma estagnação dos investimentos produtivos. Além disso, a eventual valorização excessiva do iene poderia diminuir a competitividade dos produtos japoneses frente a concorrentes globais.

Tudo isso se soma a um cenário que, de resto, é extremamente desafiador para todas as economias. Na Europa e nos EUA, são muitos os sinais de uma recessão, que não sabemos quão longa será; o conflito entre Rússia e Ucrânia mexe profundamente com o xadrez geopolítico global; somam-se os pontos de fragilidade na cadeia logística global e o crescimento mundial está em xeque.

Ao adotar um caminho oposto ao restante do mundo, o Japão parece dobrar o tamanho da sua aposta na capacidade dos mercados resolverem, por iniciativa própria, os graves desafios que se impõem ao país. Em finanças, gostamos de dizer que quanto mais você se afasta da média, maiores as chances de um resultado extremamente positivo ou negativo. 

Acontece que, historicamente, resultados extremamente negativos costumam ser bem mais frequentes.

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