Economia

‘Indústria dos precatórios’: as inconsistências nas acusações de Ciro Gomes contra o governo

O ex-presidenciável diz que governo transferiu R$ 93 bilhões para bancos; dados do Banco Central indicam que a quantia foi muito menor

O vice-presidente do PDT, Ciro Gomes. Foto: Divulgação/PDT
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Há poucos dias, o ex-candidato à Presidência da República, Ciro Gomes (PDT), acusou o governo federal de vender precatórios para instituições financeiras. 

A suspeita foi lançada em duas ocasiões: primeiro, durante uma entrevista de Ciro à CNN Brasil, no dia 2 de março; e depois no último domingo 10, quando o pedetista usou as redes sociais para afirmar que o governo destinou 93 bilhões de reais de precatórios atrasados quitados pelo governo aos bancos.

Precatórios são títulos de dívida do governo, concedidos por via judicial a pagamentos acima de sessenta salários mínimos. Historicamente, costumam levar muito tempo para serem pagos. Quando os governos atrasam os pagamentos, credores costumam vender os títulos a terceiros, como forma de obter a verba de imediato, ainda que mais baixos do que era devido pela decisão judicial. Esse fenômeno recebe o nome de “indústria dos precatórios”.

Dizendo se tratar do “maior escândalo de corrupção da história brasileira”, Ciro disse que, após o governo Jair Bolsonaro (PL) ter dado “calote” no pagamento de precatórios, o governo Lula (PT) decidiu, baseado em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), pagar os valores de uma única vez. 

Segundo o ex-presidenciável, instituições financeiras do país já teriam comprado direitos dos precatórios dos credores a valores, segundo ele, com altos descontos – lucrando, portanto, alto com a decisão do governo.

“O Lula e o PT e o Haddad, sem dinheiro para nada, corta daqui, corta de acolá, confusão. De repente, resolve pagar o calote dos precatórios do Bolsonaro, 93 bilhões de reais”, disse o pedetistaà CNN Brasil, lançando suspeitas sobre a decisão. Ao ser perguntado se teria provas da acusação de conluio entre bancos e o governo, contudo, Ciro dizze que seria preciso consultar o Ministério Público Federal. O órgão, por sua vez, disse que, até o momento, não há nenhuma denúncia sobre o caso. 

Para Luiz Gonzaga Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e conselheiro editorial de CartaCapital, não há evidências de que os precatórios estejam sendo majoritariamente negociados pelas instituições financeiras e nem que o governo tenha utilizado recursos do Orçamento para pagar a cifra. “É o contrário do que Ciro Gomes está acusando.” 

Ciro, por sua vez, mantém a tese. Ontem, nas redes sociais, ele voltou a dizer que o governo repassou indiretamente a cifra bilionária aos bancos, no que chamou de “nova corrupção do lulopetismo”.

Entenda.

O que dizem os números

Levantamentos recentes do Banco Central (BC) detalham que o montante liberado pelo governo para pagar os precatórios não teve como destino principal instituições financeiras. Nesta terça-feira 12, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que, segundo o BC, apenas 3,18 bilhões de reais (3,4% do total) foram pagos aos bancos que eram detentores dos títulos judiciais.

Dessa quantia, apenas metade (1,68 bilhão) são de precatórios que os bancos adquiriram de terceiros. O restante (1,5 bilhão) são precatórios nos quais os próprios bancos são credores.

A maior parte dos precatórios da União (49 bilhões de reais, segundo o BC) são de natureza alimentar. Ou seja, resultam de ações judiciais sobre salários, pensões, aposentadoria e indenizações gerais.

Mudanças durante os governos Bolsonaro e Lula

Durante o governo Bolsonaro, duas PECs, incentivadas pelo então ministro Paulo Guedes, tentaram restringir o pagamento de precatórios no país. 

Assinadas em dezembro de 2021, as Emendas Constitucionais 113 e 114 criaram um teto anual de pagamentos, que seria equivalente a um percentual da receita corrente líquida dos entes federativos. No caso da União, o percentual estabelecido foi de 1,5%. À época, o então governo foi acusado de estimular a aprovação da PEC para ter folga orçamentária, justamente, em ano eleitoral.

Outro ponto importante na mudança constitucional foi que ficou permitido que precatórios fossem usados para quitar débitos com o Poder Público, como dívidas tributárias. 

Na prática, essa mudança facilitou a vida dos grandes credores (e devedores). “Havia negociações de fundos que compravam precatórios com deságio para utilizar o valor dos precatórios ao valor de face”, explica Belluzzo. “Isso é comum, quando há dívidas que não são pagas.”

Por conta do teto estabelecido pela PEC, o Supremo Tribunal Federal entrou em campo para derrubar a imposição. A decisão foi tomada em novembro do ano passado, depois que a Corte se debruçou sobre dois casos: um pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Associação dos Magistrados Brasileiros; e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) assinada pelo PDT.

Derrubado o teto, o governo editou uma Medida Provisória (MP) que abriu um crédito extraordinário de R$ 93,1 bilhões de reais para pagar precatórios. 

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