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Horizonte expandido

De tokens de Di Cavalcanti a empresas em recuperação, gestores ornitorrincos democratizam os investimentos alternativos

Oportunidades. O mercado de arte, como as obras de Di Cavalcanti, é uma das possibilidades. Figueiredo e Ferreira apostam na construção civil - Imagem: Mauá Capital, Leandro Martins/Jive e Itaú Cultural
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Até bem pouco tempo, os chamados investimentos alternativos constituíam uma classe de ativos restrita à altíssima renda. Hoje, estão mais democratizados: existem fundos com aplicação mínima de 100 ­reais e a tendência é o valor diminuir, tornando os produtos mais acessíveis, com a entrada em campo de importantes administradoras, entre elas a XP Asset.

Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e sócio fundador da gestora de recursos Mauá Capital, conta ter ficado intrigado ao perceber, num evento de administradores de ativos, em Nova York, que a gestora especializada em investimentos alternativos Blackstone tinha à época valor de mercado de 155 bilhões de dólares, enquanto a gigantesca BlackRock, com 11 trilhões de dólares em ativos sob gestão, a maior parte líquidos, valia menos, 107 bilhões. “Ativos líquidos não geram tanto valor quanto os alternativos”, resume ­Figueiredo, ao falar da fusão entre sua gestora e a ­Jive ­Investments, fundada em 2010 e voltada para a originação, aquisição e recuperação de créditos, direitos creditórios, precatórios, imóveis e outros ativos ilíquidos. “Investimentos alternativos não têm o ­glamour dos grandes mercados, mas trata-se de um segmento cuja característica é deter ativos com valor intrínseco, cujo preço no mercado em geral é muito baixo, dada a reduzida demanda e, por isso, trazem muito valor aos seus investidores”, explica Figueiredo, presidente do conselho de administração da nova gestora, com 13 bilhões de reais em ativos sob gestão.

A XP Investimentos, que em 2021 comprou uma participação na Jive, assinala que os alternativos compreendem “grupos de ativos com retornos esperados superiores aos das classes de ativos convencionais, como a Renda Fixa, Multimercados e Ações, porém com níveis de risco também superiores e não necessariamente atrelados à alta volatilidade, até mesmo porque os investimentos alternativos mais tradicionais são aqueles cujo ativo investido não está listado em nenhuma Bolsa, como a B3, ou mercado de balcão”.

Segundo Arthur Farache, fundador e CEO da Hurst Capital, os alternativos sempre existiram, mas começaram a se popularizar a partir da crise financeira de 2008, quando investidores institucionais – como fundos de investimentos, fundos de pensão e seguradoras – passaram a buscar de forma mais intensa opções sem correlação direta com o mercado tradicional. “O surgimento de plataformas de investimento contribuiu para democratizar esse mercado. Hoje, com cerca de 10 mil reais disponíveis, é possível investir em royalties musicais, precatórios, obras de arte, vinhos e carros antigos e ­crowdfunding imobiliário, entre outros”, diz o CEO da Hurst, que no mês passado comercializou direitos creditórios musicais tokenizados com obras do compositor e cantor Toquinho. A Hurst começou a operar em 2017 com precatórios e desde então amplia o escopo das aplicações para segmentos nada tradicionais, como obras de arte tokenizadas dos pintores Abraham Palatnik e Di Cavalcanti, cuja taxa de retorno é estimada em 17% e 16% ao ano, respectivamente. O catálogo de royalties musicais compreende 28 mil canções, de mais de 30 compositores, que vão do funk ao forró, com arrecadação de 30 milhões de reais.

Novos fundos aceitam aplicações a partir de 100 reais. O risco é alto, a recompensa idem

O foco da Jive está nos projetos imobiliários, infraestrutura, agronegócio e os chamados ativos estressados, ou seja, de empresas em recuperação judicial. O segredo do negócio reside justamente na ­expertise em tratar os produtos de modo a restabelecer sua rentabilidade, o que, não raro, implica a participação da gestora na administração da empresa em recuperação e, logo, envolve economistas, engenheiros e advogados, entre outros especialistas. “Nós, aqui, brincamos que somos os ornitorrincos, advogados que falam de macro em modelo Excel e os engenheiros que conseguem discutir com o juiz no dia da audiência”, sintetiza Guilherme Ferreira, advogado e sócio da Jive. “Essa experiência não existe no mercado. Ensinamos finanças aos advogados, a fazer modelos em Excel. A mesma coisa com os engenheiros, cujo mundo é lógico, mas no Direito as coisas têm nuances. A multidisciplinaridade é fundamental nesse negócio.”

Ferreira cita o caso da antiga Construtora Rio Pardo, que entrou em recuperação judicial com 2 mil unidades pendentes. A Jive comprou as dívidas bancárias com deságio, converteu-as em participação e aportou recursos para completar as obras pendentes da companhia. Com isso, teve fôlego para renegociar compromissos atrasados com fornecedores, que também se tornaram sócios via conversão de dívidas em participação. A construtora mudou o nome para Viver, e não só voltou a empreender como abriu uma nova frente de negócios, a Solv Destrava Valor, que aconselha construtoras com problemas financeiros e operacionais a concluir suas obras.

A expertise e a tecnologia no tratamento do risco e da precificação de ativos estressados são necessárias, mas não suficientes, ressalta Federico Goyret, sócio e diretor de marketing da Jive. “O desenvolvimento e o amadurecimento do ambiente institucional do sistema judiciário são importantes para permitir estruturar operações complexas como essas, o que acontece em mercados mais maduros.” Ferreira cita a legislação de alienação fiduciária, a nova lei de falências, que foi “substancialmente melhorada” em 2021, a digitalização dos processos judiciais, desde 2002, e as metas de produtividade do Conselho Nacional de Justiça, que aumentaram a eficiência institucional. “Isso tudo permite fazer investimentos melhores, mais rapidamente e a um custo de transação menor.”

Com isso, observa Figueiredo, o País está “só começando” a viver um processo de alongamento dos prazos dos ativos, paralelamente a uma participação maior de capital privado em novos projetos, empreendimentos e privatizações. “Temos cerca de 900 bilhões de reais de investimentos a serem realizados nos próximos anos, que serão financiados por dinheiro privado, por investidores como nós e outros, inclusive pessoas físicas, que estão olhando ativos de longo prazo.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1232 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Horizonte expandido “

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