Economia

Fome na América Latina cresceu 28% em meio à pandemia, mostra relatório da ONU

O percentual representa 8 milhões de pessoas a mais com fome; acesso à dieta saudável também piorou

O grupo de alimentos e bebidas puxou a alta - Imagem: Renato Luiz Ferreira
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Entre 2019 e 2021, a partir de condições humanitárias adversas impostas pela pandemia de Covid-19, a prevalência da fome na América Latina e no Caribe aumentou em 28%.

O percentual representa 8 milhões de pessoas a mais com fome. A insegurança alimentar – ou seja, a incapacidade das pessoas de terem acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para a sobrevivência – afeta 40% de toda a população da região, ao passo que a média mundial é de 29,3%. No Brasil, entre 2019 e 2021, o aumento da insegurança alimentar grave ou moderada foi de 10%.

Além disso, mais de 131 milhões de pessoas em ambas as regiões não consegue arcar com os custos de uma alimentação saudável.

Esses números foram revelados pelo relatório “Panorama Regional da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina”, publicado na quinta-feira 19, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A falta de acesso a uma dieta saudável é observada em toda a região. Entretanto, as disparidades específicas de gênero, segundo a FAO, a exemplo das mulheres se verem mais afetadas que os homens, em geral, mostram um fosso ainda maior, quando em comparação com o restante do mundo. A América Latina e o Caribe compõem a região com o maior nível de desigualdade do mundo, segundo a ONU.

As dificuldades de acesso à dieta saudável, porém, não se deve apenas a fatores internos. O relatório aponta que os aumentos nos preços internacionais dos alimentos, experimentados desde 2020, contribuíram para o cenário de dificuldades. Dois fatores globais contribuem para o fenômeno: as consequências da pandemia e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O impacto do alto custo dos alimentos foi apresentado em números trazidos pelo relatório. No Caribe, em 2020, 52% da população não pôde ter acesso a uma dieta saudável por conta dos preços. Na América Central, o índice é de 27,8%. Na América do Sul, 18,5%.

Em relação à expressividade dos aumentos, em si, o relatório mostra que, entre abril de 2021 e abril de 2022, os alimentos subiram 15% no Chile, aproximadamente 13% no Brasil e 11% em países como Uruguai e México. O relatório destaca que a inflação dos alimentos tem sido maior que a inflação sobre os produtos, em geral.

O relatório destaca o forte crescimento das desigualdades na América Latina e no Caribe, nos últimos quatro anos. Além disso, apresenta um quadro geral que indica a derrocada das condições sociais experimentada há quase uma década. Por exemplo, em 2014, a região tinha atingido o seu índice mais baixo de fome. As políticas sociais eram relativamente vitoriosas, por exemplo, no Brasil.

Entretanto, enquanto a fome aumentou em um patamar de 22,5% no mundo, entre 2015 e 2021, o crescimento foi 48,3% na região. O caso brasileiro, desde 2016, é de uma sucessão de medidas governamentais que apontaram para a redução do papel do Estado na promoção de políticas sociais. E uma ampliação, consequentemente, do incentivo a reformas econômicas, como a previdenciária e a trabalhista, e a retirada de direitos.

“Não existe uma política individual que possa resolver este problema de forma independente. Os mecanismos de coordenação nacional e regional precisam ser reforçados para responder à fome e à desnutrição”, afirmou Mario Lubetkin, diretor assistente da FAO e representante regional para a América Latina e o Caribe.

Na comparação entre os países da América do Sul, o panorama da fome aponta a Venezuela como o país com o maior índice de desnutrição (22,9%), seguida do Equador (15,4%) e da Bolívia (13,9%). O relatório destaca que o Brasil, um país de grande população, teve uma taxa baixa de desnutrição (4,1%). Entretanto, é no Brasil que vive o maior número de pessoas desnutridas: 8,6 milhões de pessoas.

O relatório da FAO trata da necessidade de fortalecimento de programas que apoiem a produção de alimentos oriundos da agricultura familiar e de baixa escala, vinculando a produção a mercados locais. Para a FAO, esse tipo de programa pode beneficiar agricultores e, ao mesmo tempo, reduzir o custo de alimentos nutritivos para as pessoas.

O estudo destaca o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado pelo governo Lula (PT), em 2003, no contexto do Programa Fome Zero. Para a FAO, essa política pública “contribui para garantir o direito a uma alimentação adequada, fomentando a produção diversificada de cultivos, conectando a oferta da agricultura familiar com uma demanda pública diversificada”.

O PAA já chegou a comprar e doar, em um ano, mais de 500 mil toneladas de comida da agricultura familiar. Em 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) alterou o nome do programa para Alimenta Brasil. Entre 2016 e 2021, o volume de doação não passou de 200 mil toneladas. Em 10 anos (2011 a 2021), a queda foi de 76% no número de doações.

Em 2010, o PAA chegou a ter um orçamento de quase 600 milhões de reais. Para 2023, o programa, agora renomeado, tem um orçamento previsto de 2,6 milhões de reais. Uma redução de  97% em relação a 2022 e aprovada pelo então presidente Bolsonaro.

No discurso de posse, Lula reforçou o compromisso de acabar com a fome no Brasil. Uma das suas primeiras medidas, já no dia 1 de janeiro, foi recriar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea.

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