Economia

Existe apetite no mercado para concessões de rodovias, diz secretária do Ministério dos Transportes

Em entrevista a CartaCapital, Viviane Esse comentou o 1º leilão rodoviário desta gestão de Lula, com lote do Paraná, a ser realizado na B3 nesta sexta 25

Existe apetite no mercado para concessões de rodovias, diz secretária do Ministério dos Transportes
Existe apetite no mercado para concessões de rodovias, diz secretária do Ministério dos Transportes
A secretária nacional de Transporte Rodoviário, Viviane Esse. Foto: Vosmar de Freitas/MT
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O Ministério dos Transportes realiza o seu primeiro leilão de rodovias na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta sexta-feira 25, na Bolsa de Valores, a B3, em São Paulo. A pasta, chefiada por Renan Filho, projeta a promoção de 35 leilões para concessões de rodovias, número muito superior aos seis registrados no governo de Jair Bolsonaro (PL).

A concessão de rodovias é um tipo de parceria do Estado com a iniciativa privada em que o governo transfere uma extensão para uma empresa por tempo determinado em contrato.

O acordo prevê responsabilidades da companhia quanto a obras de infraestrutura e manutenção. Em contrapartida, a concessionária pode cobrar pedágio pela utilização das vias públicas.

Atualmente, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a ANTT, administra 24 concessões de rodovias, que equivalem a aproximadamente 13.023 quilômetros.

Agora, o Ministério dos Transportes leiloará a concessão de uma extensão de 473 quilômetros, que compreendem rodovias federais e estaduais: as BR-277/373/376/476/PR e as PR-418/423/427.

A empresa que vencer o leilão administrará essas vias por 30 anos. A previsão do governo é atrair 7,9 bilhões de reais em investimentos em obras de melhorias de infraestrutura nessas estradas.

Em entrevista a CartaCapital, a secretária nacional de Transporte Rodoviário, Viviane Esse, diz estar convicta de que os investimentos previstos se concretizarão, porque o governo tem “estudos bem estruturados” e uma nova política de concessões mais atrativa para a iniciativa privada.

A gente realmente acredita que há, sim, apetite no mercado no Brasil para todos esses projetos, diz a secretária nacional de Transporte Rodoviário.

Na semana passada, o ministério apresentou as estimativas do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, para o setor de transportes. São 280 bilhões de reais em investimentos previstos em rodovias e ferrovias, sendo que 201 bilhões virão da iniciativa privada, enquanto o governo contribuirá com 79 bilhões.

Minas Gerais está no topo das unidades federativas que receberão mais recursos ao todo, enquanto o Rio Grande do Sul será o principal destino de verbas públicas. Segundo Renan Filho, alguns estados têm maior potencial de atração de investimentos privados.

Questionada se a política de concessões pode ser associada a um modelo de privatizações, a secretária argumenta que, em primeiro lugar, o governo está lidando com restrições orçamentárias e não tem como arcar com todos os investimentos necessários.

Além disso, ela afirma que esse modelo não prevê a transferência definitiva de bens públicos a empresas.

“Isso o governo Lula não é favorável de fazer nesse governo”, garante Viviane Esse.

Confira os destaques da entrevista:

Trecho da BR-277/PR. Foto: José Fernando Ogura/Arquivo AEN

CartaCapital: Qual a relevância dos próximos leilões?

Viviane Esse: A gente tem um leilão marcado no dia 25 para o Lote I, com 473 quilômetros, e no dia 29 de setembro para o Lote II, com 604 quilômetros. Ambos são um mix de rodovias estaduais e federais. Esse é um ponto muito importante desse leilão que vai ser feito, um modelo inovador. Quando a gente concede rodovias federais e estaduais em conjunto, a gente consegue ter investimentos na melhoria da qualidade da malha como um todo, tanto nos corredores logísticos quanto nas alimentadoras, o que se reflete em redução de número de acidentes e, também, na redução do custo de transportes. Isso é alimento mais barato, na mesa do paranaense e do brasileiro, mas também uma competitividade no mercado estrangeiro, lembrando que essas rodovias ligam a região produtiva ao Porto de Paranaguá.

“Há dificuldade dos governos estadual e federal de fazer a infraestrutura”, diz Viviane Esse.

CC: Qual papel as concessionárias vão executar nessas rodovias?

VE: Há uma dificuldade dos governos estadual e federal de fazer a infraestrutura, no valor e no tempo que o Estado necessita, porque a gente tem restrições orçamentárias, o que, infelizmente, fez com que a malha se degradasse. Então, na malha federal, que é composta por 55 quilômetros, estamos com 67% das rodovias classificadas como regulares, ruins e péssimas. Tivemos uma melhoria na malha que será concedida no Paraná por uma intervenção do DNIT [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes], porque, neste ano, temos um orçamento maior por conta da PEC da Transição. Mas ainda é insuficiente. De 2015 para cá, tivemos um declínio na malha. Temos alguns trechos em outros estados, como a 174, que liga Boavista a Pacaraima, e um trecho da rodovia praticamente está inexistente, devido à grande quantidade de buracos. Como tinha um orçamento pequeno, houve uma priorização entre a manutenção da execução de obras de ampliação de capacidade e a manutenção das rodovias. Então, ao conceder, a gente consegue ofertar ao usuário, e principalmente ao usuário paranaense, melhorias com o orçamento público, que a gente completa com o orçamento privado. Só para o Lote I, nós temos 7,9 bilhões de investimentos.

A secretária Viviane Esse, na Brasil Road Invest 2023. Foto: Marcio Ferreira/MT

CC: Haverá impactos nas tarifas de pedágio?

VE: Há mecanismos para definir o valor de tarifa. A gente conseguiu tarifas 30% mais baixas do que as praticadas anteriormente, nessas cinco praças do Lote I. E a gente espera, com o leilão, ter uma redução ainda maior. Mas mais importante que o deságio é a execução de obras. Com a assinatura do contrato pela nova concessionária em dezembro, ela inicia a cobrança de pedágio e as obras já no ano que vem, e os paranaenses já vão ter melhorias de pavimento, de serviços e de número de acidentes.

CC: Como será a injeção de investimentos nessas obras?

VE: Vão ser executados 7,9 bilhões de recursos privados em obras ao longo dos 30 anos, mas o valor é mais concentrado do terceiro ao sétimo anos. Do primeiro ao terceiro anos, ele tem investimentos em pavimentos, sinalização e recuperação de obras de arte. Só que a execução de obras é mais do terceiro ao sétimo. A gente tem 830 milhões no ano três, 974 milhões no ano quatro, 954 milhões no ano cinco, 785 milhões no ano seis e em torno de 700 milhões no sétimo ano.

“Concessões tiveram alguns erros. Temos que aprender com o passado e olhar para o que o mundo faz”, diz secretária nacional de Transporte Rodoviário.

CC: Esse primeiro leilão vai adotar uma nova política de concessões. O que muda na prática?

VE: É a primeira vez que a gente faz, divulga e conversa com o mercado e com a sociedade sobre uma política de outorgas, em que o governo federal apresentou quais seriam as premissas com três pilares: um de cunho social, um de sustentabilidade e um relacionado a projetos. A gente apresentou na B3 e colheu contribuições. Dependendo da fase em que estavam, os projetos incorporaram mais ou menos as inovações dessa política, para não impactar no cronograma.

Uma política no Paraná muito interessante é o degrau tarifário. O usuário paga mais de pedágio quando a obra é entregue. Então, rodovias de pista simples têm uma tarifa, e rodovias de pista dupla têm outra tarifa. Isso tem dois efeitos. Primeiro, o usuário sente que está pagando pela entrega da obra e, também, é um indutor para que a concessionária execute a obra mais rápido. Esse é o grande benefício.

Uma outra questão é a mudança do modelo de concessão. Antes, era a menor tarifa, mais o pagamento do valor de outorga. Essa outorga ia para a União executar obras em outras áreas. E aqui a gente tem só a menor tarifa, com uma proteção ao objeto da concessão.

O ministro dos Transportes, Renan Filho, em coletiva de imprensa. Foto: Marcio Ferreira/MT

CC: Os recursos públicos no Novo PAC são bem menores do que os recursos privados. A senhora disse que as restrições orçamentárias justificam a necessidade desse complemento. O espaço dos recursos privados não dá à iniciativa privada muito poder sobre essa política?

VE: Dos 185 bilhões que a gente tem para rodovias, 73 bilhões são públicos e 112 bilhões são privados. Parte da resposta é o que você já mencionou: infelizmente, por questões de restrições orçamentárias, a gente não consegue ter o investimento necessário para a manutenção da malha e a ampliação de capacidade. E, historicamente, quando a gente tem um investimento público, a gente consegue incentivar o investimento privado. Ele é complementar. É assim no mundo todo. É muito importante que a gente tenha investimento público e privado, para complementar a ausência de orçamento. E quando a gente tem obras, a gente gera emprego, desenvolvimento, reduz o custo-Brasil e diminui o custo dos produtos. Agora, para isso, a gente precisa ter mecanismos que fomentem a execução desse orçamento, a gente precisa ter uma agência reguladora forte, que possa fazer uma boa fiscalização dos contratos, e a gente precisa ter contratos com boa performance.

As concessões no Brasil são relativamente novas. As primeiras foram na década de 1990, feitas pelo extinto DNER [Departamento Nacional de Estradas e Rodagens], que foi substituído pelo DNIT. Essas concessões tiveram alguns erros. A gente tem que aprender com erros e acertos e olhar o que o mundo faz, para que a concessionária realmente execute e cumpra o contrato. O valor no Lote II é ainda mais alto: são 10,8 bilhões de Capex [despesas com equipamentos] e 6,5 bilhões com Opex [despesas operacionais] que vão trazer muitas obras. Como eu disse, 343 quilômetros de duplicação é uma extensão bastante significativa para ser executada em cinco anos. Temos mais quatro lotes, dois previstos para o ano que vem, e mais dois para 2025. E aí a gente consegue fazer todos os seis lotes do Paraná.

CC: É correto associar a concessão a uma espécie de privatização?

VE: Não, de forma alguma. Privatização é a transferência definitiva de um bem público para o privado, mediante venda. E isso o governo Lula não é favorável de fazer nesse governo. Concessão é uma gestão compartilhada para o privado durante um período de tempo, com regras pré-estabelecidas para a devolução. A gente vê a execução das obrigações contratuais, enquanto o privado fica gerindo aquele bem durante aquele determinado tempo. Mas esse bem sempre é da União, e ele vai retornar para a União no fim do contrato, ou, se a União entender por bem um processo de relicitação, ela faz um novo leilão e concede para outro privado durante certo período de tempo. Então, são ações bastante distintas: na privatização, a transferência é definitiva, e na concessão, não há uma transferência, há uma gestão compartilhada, mas o bem continua sendo da União.

O presidente Lula no lançamento do Novo PAC. Foto: Ricardo Stuckert/PR

CC: Há temor de que esses investimentos privados previstos não se concretizem?

VE: É claro que, pela extensão territorial que a gente tem, a necessidade de investimento público é muito maior. Mas nós temos uma restrição orçamentária. Se a gente comparar com o Uruguai, que é um país bem menor que o Brasil em extensão de malha e territorial, a gente vê que o percentual que o Brasil investir em infraestrutura relacionada ao PIB deveria ser maior. Agora, a gente precisa fazer um investimento consciente, e o PAC está muito amarrado uma previsão orçamentária bem calculada. Na questão do investimento privado, eu tenho plena convicção da execução desse investimento. Os estudos são bem elaborados. A gente está trabalhando na otimização dos contratos com baixa performance, justamente para sanear problemas que tínhamos nos contratos de concessão. Quando o privado vê que nós estamos com estudos bem estruturados e com diálogo, ele vê há realmente uma sinalização para o cumprimento contratual. E a gente realmente acredita que há, sim, apetite no mercado no Brasil para todos esses projetos.

CC: Por que o Rio Grande do Sul tem sido o destino da maior parte dos recursos públicos do PAC Transportes? E quais os critérios para a distribuição dos recursos públicos?

VE: No exemplo do Rio Grande do Sul, a 290 e a 116 são rodovias muito importantes. Nós temos quatro lotes em cada uma, de duplicações, que é o nosso tipo de obra mais cara, em execução há mais de dez anos. Então, são obras que, infelizmente, não foram concluídas e já deveriam. Obras de infraestrutura geralmente duram de quatro a cinco anos, mas essas estão durando dez. Então, para você fazer essa análise, primeiro você tem que separar o que é manutenção, e aí sim temos uma justiça de distribuição entre os estados. Você tem que fazer uma ponderação sobre a extensão da malha. E outro critério é o término de obras inacabadas. E aí, sim, nós temos nesses dois estados [Rio Grande do Sul e Bahia] obras de duplicação que duram há muitos anos. Aí você consegue ver que há, sim, equilíbrio entre as unidades da Federação.

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