Economia

Emprego precário e salário estagnado travam crescimento

‘Política econômica neoliberal de Guedes é destrambelhada’, diz líder do conselho de economistas

Fila em busca de emprego (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
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O mercado de trabalho terminou o governo Michel Temer de forma desoladora e segue igual com Jair Bolsonaro. O desemprego era de 11,6% em dezembro e de 11,8% em julho, segundo o IBGE. A informalidade subiu. Há 200 mil trabalhadores a mais sem carteira assinada (um total recorde de 11,7 milhões), 400 mil a mais se virando por conta própria (24,2 milhões ao todo) e 100 mil a mais que desistiram de buscar vaga, o que levou o chamado desalento ao nível recorde de 4,4%.

O salário médio era de 2.254 reais em dezembro e foi a 2.286 reais em julho. Uma alta que pouco significa. Desde 2012 a renda dos trabalhadores varia de 2,2 mil e 2,3 mil, conforme o IBGE. Para 2020, o governo propõe um salário mínimo sem ganho real pela primeira vez em mais de uma década. Será de 1.039 reais, conforme o orçamento enviado ao Congresso no fim de agosto.

Diante de tudo isso, não surpreende a economia rodar em ritmo lento e haver sinais de que em 2020 será assim, diz o presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Wellington Leonardo da Silva. “O que aquece a economia é demanda qualificada. Nenhum empresário vai ser imbecil de investir em aumento de produção, renovação de equipamentos sabendo que não tem quem compre.”

No primeiro semestre de 2019, o PIB cresceu 0,7% em comparação com o segundo semestre de 2018. A previsão do “mercado” consultado toda semana pelo Banco Central (BC) é de uma alta de 0,8% neste ano. Em janeiro, previa 2,5%. Para 2020, estimava em janeiro 2,5% e, agora, 2,1%.

“Hoje tem que ter sorte para conseguir um emprego”, teoriza Leonardo. “Conseguiu, é emprego aviltado. Depois da reforma, o empresário diz: ‘Olha só, meu amigo, o emprego aqui não vai ter 13o, tá? O salário médio de mercado era de 5 mil, aqui a gente vai te pagar 3 mil’. O cara está com o aluguel atrasado, os filhos com fome, aceita qualquer coisa. Isso não aquece a economia.”

E prossegue: “O subemprego é um problema para a economia. Imagina um cara que recebe um salário de porcaria para vender hambúrguer de fim de semana. Esse cara vai consumir o quê? Nada, o básico do básico, ele não tem dinheiro. E quem está empregado tem medo de perder o emprego”.

Segundo a última pesquisa CNT/MDA, divulgada no fim de agosto, aquela que mostrou a impopularidade de Bolsonaro 10 pontos acima da aprovação ao governo (39% a 29%), metade dos brasileiros dizia temer demissão. O otimismo com a criação de empregos caiu de 51% em fevereiro para 36%. No caso do aumento da renda, de 33% para 28%.

Para Leonardo, é urgente o governo investir mais em infraestrutura. “É um setor que rapidamente aquece, absorve mão de obra não qualificada e isso faz com que aumente a demanda e vá reaquecendo a economia aos poucos”, afirma. “É o que qualquer nação do mundo faz quando está em crise. Aqui a gente está fazendo tudo contra os manuais. Você não vai sair dessa armadilha do neoliberalismo extremo do Paulo Guedes sem retomar alguns conceitos básicos da economia.”

Paulo Guedes, o ministro da Economia, tem outros planos. Facilitar lucros, na esperança de as empresas contratarem mais. Recriar a CPMF, para desonerar a folha de salários das firmas. Criar uma carteira de trabalho verde-amarela, outro emprego precário, sem os direitos da CLT. Esta virou miragem. Em novembro de 2017, início da reforma trabalhista, havia 33,2 milhões de carteiras assinadas. Em julho agora, 33,1 milhões, segundo o IBGE.

“Em três anos de crise, o setor de serviços acumula perdas de 6,9% no faturamento, diz o IBGE. Claro: há quase 50 milhões de desempregados, subempregados e desalentados. Essa galera vai consumir serviço (restaurante, cinema, bar)?”, pergunta Leonardo.

O dado que cita foi divulgado em agosto e refere-se à queda, de 2014 a 2017, na receita do setor mais pesado no PIB (fatia de 60%). Ele discorda, porém, da visão filosófica por trás do dado. Fazer uma comparação tendo como ponto de partida 2014 significa apontar o culpado errado pela crise.

“Tem economista que continua mentindo para o povo brasileiro dizendo que a gente tem uma crise de 2014. Coisíssima nenhuma. Estamos vivendo uma crise seríssima cuja origem é 2008, com a quebra do Lehman Brothers. A financeirização absurda da economia internacional fez com que a falência do banco, o principal financiador de casas nos Estados Unidos, atingisse o mundo inteiro”, diz Leonardo. “Falar que a crise é só 2014 é botar a culpa só nos governos do PT.”

Recorde-se: em setembro de 2008, o Lehman Brothers quebrou, graças ao abuso na criatividade do mercado financeiro na busca por lucros. A “financeirização absurda” do sistema financeiro global fez com que outros bancos ficassem ameaçados de falência também, nos EUA e na Europa. Os governos americano e europeus resolveram socorrer os bancos, para evitar quebradeira em cascata.

“A crise começa em 2008 e demora a chegar ao Brasil porque medidas governamentais foram tomadas para impedir que a nossa economia desacelerasse rapidamente. Por exemplo: estímulo ao crédito pelos bancos públicos, isenções fiscais, desoneração tributária para empresas”, afirma Leonardo.

Ele prossegue: “Qual era a aposta de Lula e Dilma (Rousseff)? Que se conseguissem segurar a economia aquecida por um tempo, os países desenvolvidos já teriam se recuperado e voltariam a comprar nossas commodities a preços melhores. Na recessão os países importam menos, o interesse é o mercado interno. A aposta, que poderia ser interessante, viável, não deu tempo. Quando se esgotou a capacidade que a gente tinha de manter a economia aquecida com foco no mercado interno, o primeiro mundo não tinha se recuperado ainda. Aí a economia desabou.”

Foi então que Dilma, reeleita em 2014, resolveu botar Joaquim Levy no comando da economia. Um Chicago Boy neoliberal Paulo Guedes.

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