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De sol a sol

A economia regional avança com articulação entre os estados, investimento na indústria e agronegócio próprio

Futuro. A Stellantis inaugura novas linhas de produção de veículos da Fiat e Jeep em Pernambuco. No Porto de Pecém, a produção de hidrogênio verde está a caminho – Imagem: Stellantis Brasil e Isa Osterkamp/SEMA/GOVRS
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Um clima de entusiasmo marcou a reunião da Câmara Técnica de Desenvolvimento Econômico do Consórcio Nordeste, na quarta-feira 26, em Brasília, com a participação de governadores e do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. O alto-astral deveu-se não só aos novos ares e iniciativas de uma administração com número expressivo de ex-governadores da região em postos de ministros de Estado, como ao fortalecimento da economia regional no cenário nacional. Segundo aponta um estudo recente, o PIB nordestino tem chance de superar, neste ano, ainda que por uma diferença mínima, o das demais regiões, inclusive o Centro-Oeste do poderoso agronegócio.

O Nordeste apostou na articulação institucional contínua entre os estados, na dinamização de diversos setores econômicos e agora colhe resultados de políticas que possibilitaram manter um maior grau de integridade e dinamismo sob o furacão recessivo e a insegurança institucional crescente dos governos ­Temer e Bolsonaro, mostram com clareza dados e estudos de várias procedências. A diferenciação ficou mais evidente sob o obscurantismo político e econômico iniciado com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, mas vem de antes. “É preciso desmontar a imagem antiga, de um Nordeste coitadinho, terra sem potencial, que só merece políticas assistenciais”, destaca a economista Tânia Bacelar, sócia da Ceplan Consultoria e uma das maiores conhecedoras da economia local, que enumera algumas razões importantes para a evolução em curso desde o início do século: 1. A expansão da indústria, na contramão da tendência nacional de desindustrialização. 2. A consolidação do agronegócio no chamado Matopiba, área do cerrado que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. 3. A dinamização do setor dos serviços, em especial os de educação e saúde, nas suas 42 cidades de porte médio.

A região vai crescer acima da média nacional neste e nos próximos anos

Exemplo da expansão da indústria, acrescente-se, é a revitalização do setor automobilístico local, com o anúncio de investimentos da chinesa BYD, maior produtora mundial de carros elétricos e substituta da Ford na Bahia, afugentada do País pela política econômica de Bolsonaro e Paulo Guedes, e o início de novas linhas de produção da Stellantis, fabricante de veículos Fiat e Jeep, no Polo Automotivo de Goiana, em Pernambuco, visitada pelo presidente Lula no início do mês.

Segundo estudo da Tendências Consultoria, a economia nordestina deverá crescer 2,4% neste ano, com destaque para a retomada da produção de alumínio no Maranhão, parada desde 2015, e um maior dinamismo do turismo. A região Centro-Oeste avançará 2,3%, diante de uma média nacional de 1,9%. De acordo com o trabalho, o crescimento anual médio do PIB nordestino deverá variar em torno de 2,7% entre 2024 e 2032, e o do Centro-Oeste ficará em torno de 2,5%, ante os 2% da média do ­País. “Passada a pandemia e num clima de retomada do desenvolvimento nacional em tempos de relevantes mudanças no mundo, espera-se que o Brasil se reposicione neste contexto desafiador, mas pleno de oportunidades”, ressalta Bacelar. Há uma expectativa, acrescenta, de que os dirigentes governamentais e empresariais vejam as potencialidades do Nordeste para contribuir fortemente num projeto ousado e sintonizado com os novos tempos, como se dá na transição energética e na construção de ecossistemas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), entre outros. A economista sublinha a necessidade de atenção às políticas sociais e, em especial, àquelas de educação.

Conexões. O agronegócio se expande no “Matopiba”, enquanto o BNB saiu da lista de privatização e retomou os planos de financiamento ao setor produtivo – Imagem: iStockphoto e BNB S.A

Até mesmo a grande dependência da atividade produtiva de financiamentos de bancos públicos, em especial do BNDES e do Banco do Nordeste, passou por uma transformação nada desprezível, com a manutenção de um fluxo de empréstimos do BNB em contraste com a brutal queda de operações do maior banco de desenvolvimento do ­País, orquestrada na administração anterior. Os recursos disponibilizados pelos dois bancos entre 2010 e 2014, de 222,8 bilhões, foram reduzidos para 112,5 bilhões de 2020 a 2022, destaca o economista Aristides ­Monteiro Neto, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada especialista em desenvolvimento econômico, economia regional e políticas públicas. Sobressai-se nesta redução, entretanto, o corte operado pelo BNDES, de 132,5 bilhões de reais para 28,6 bilhões entre os dois triênios, com queda drástica do volume de crédito concedido para apenas 21% do que era cerca de dez anos atrás. Na comparação entre os mesmos triênios, os recursos do Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste, gerido pelo BNB e que chega a representar 70% do funding contratado, se mantiveram estáveis, com oscilação de 90,3 bilhões para 83,9 bilhões de reais.

O Banco do Nordeste, ameaçado de fechamento no governo Bolsonaro, vive agora novo impulso. “O tempo das ameaças ao BNB ficou para trás. Encerramos o balanço do primeiro semestre de 2023 com a contratação recorde de 21 bilhões de reais, cerca de 34% a mais do que o volume de operações de crédito do mesmo período do ano passado”, sublinha Paulo Câmara, presidente da instituição e ex-governador de Pernambuco. Além disso, prossegue Câmara, foram reduzidos os juros do programa de microcrédito, o Crediamigo, em 21%. “Estamos seguindo à risca as determinações do presidente Lula para ampliar as oportunidades e ajudar a desenvolver a nossa região.”

Um desafio é garantir maior complexidade à estrutura produtiva

O quadro pós-eleições de 2022 trouxe novo alento para a retomada do crescimento no Nordeste, ressalta Monteiro Neto. Não apenas o novo governo tem comprometimento com políticas públicas favoráveis ao crescimento do mercado interno, como também é favorável ao papel de bancos públicos de desenvolvimento, inclusive os regionais, em atuação com o sistema privado para fortalecer estratégias de crescimento. Outro ponto importante, acrescenta o economista, é a experiência de coordenação de políticas e ações dos governadores por meio do Consórcio Nordeste desde a pandemia, de modo a permitir que a retomada de projetos tenha apreciação mais ágil por parte do governo federal. “Nunca houve um movimento tão alinhado, tão organizado, de crescimento, industrialização, criação de oportunidades, empregos, renda, modernização e atenção com a área social no Nordeste como agora, e se deu a partir da construção do Consórcio Nordeste, entre vários outros fatores muito importantes”, completa ­Carlos Gabas, secretário-executivo do Consórcio Nordeste e ex-ministro da Previdência Social.

Monteiro Neto destaca o fato de que a rodada atual de trabalhos para a realização do Plano Plurianual 2024-2027, sob coordenação do Ministério do Planejamento e Orçamento e da Casa Civil, colheu dos governadores da região suas pretensões de projetos prioritários para investimento e que a retomada de obras de infraestrutura, como a transposição do Rio São Francisco e mesmo a Ferrovia Transnordestina, “estão no radar do governo federal para ser financiadas”. Deve-se levar em conta ainda que a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, em seu Plano Regional, recém-lançado, apontou, entre diretrizes setoriais de interesse prioritário, os investimentos em energia eólica e gás natural, o fortalecimento de sua rede de cidades intermediárias, a infraestrutura de comunicações digitais com rede regional de fibra óptica e conexões digitais, e infraestruturas logísticas, entre outros destinos de investimentos. “O trabalho conjunto dos governos federal e ­estaduais poderá resultar em novo ciclo de retomada dos investimentos e do crescimento regional”, prevê o técnico do Ipea.

Entre os desafios mais prementes destaca-se o atraso relativo “muito considerável” de estoque de infraestruturas de transportes, habitações, comunicações, hídricas e sanitárias, entre outras, para o desenvolvimento. Em relação a essa área, “o esforço da ação coordenada entre diversas instâncias de governo deveria estar mais centrado na solução de déficits e gargalos”, propõe o especialista. Outro desafio importante, prossegue Monteiro Neto, é garantir ao mesmo tempo maior complexidade da estrutura produtiva com o aumento da produtividade geral das atividades e setores. “O manuseio refinado de instrumentos de estímulo à diversificação econômica deve ser tentado. Por exemplo, o FNE, gerenciado pelo Banco do Nordeste, utilizou 42% de suas fontes para atividades agropecuárias entre 2002 e 2019 e somente 17% para as industriais. Balancear melhor a aplicação de recursos, em sintonia com objetivos de diversificação, ganhos de escala e aumento de empregos e massa salarial formal, poderia ser uma trajetória prioritária a ser perseguida.” •

Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 09 de agosto de 2023.

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