Economia

Convivendo com Gabriel Galípolo, o novo número 2 da Fazenda

Entre tantas recriminações ‘esquerdistas’ ao futuro secretário-executivo, sobressaiu a de que Galípolo seria “um outro Joaquim Levy”. Quem o conhece sabe que essa insinuação é despropositada

Os economistas Gabriel Galípolo e Luiz Gonzaga Belluzzo
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 As trepidações opiniáticas que acompanham  a escolha de ministros e assessores chegaram à oscilação máxima quando foram anunciados os nomes de Fernando Haddad para chefiar o Ministério da Fazenda e de Gabriel Galípolo para a Secretária-Executiva da pasta.

Dos grupos de WhatsApp escorreram caudais de amargor e satisfação expelidos indistintamente à direita e à esquerda. Á direita o fel é destilado para resmungar invectivas contra o viés desenvolvimentista e intervencionista dos escolhidos pelo presidente Lula. À esquerda os queixumes se concentram nas alegações de adesão ao neoliberalismo de Haddad e Gabriel.

Entre tantas recriminações “esquerdistas” ao futuro secretário-executivo do Ministério das Finanças, sobressaiu a que apontava Galípolo como “um outro Joaquim Levy”. Quem conhece e conviveu com Gabriel sabe que tal increpação é, não só despropositada, como marcada pelo ferro-em-brasa da “doença infantil do esquerdismo.” 

Quando CartaCapital sugeriu o artigo sobre Gabriel – o homem e o economista – ocorreu-me recorrer a Richard Davenport-Hines, o historiador e biógrafo de John Maynard Keynes. Davenport-Hines é o autor  do livro The Universal Man, The Seven Lives of John Maynard Keynes. O projeto de desvelar em Keynes o Homem Universal de seu tempo é realizado de forma brilhante: a formação e o desenvolvimento de Keynes são analisados a partir da ação concreta do homem de carne e osso inexoravelmente atormentado pelos conflitos e contradições de sua época.

O intelectual, o professor, o homem público, o financista, o amante das artes surge de corpo e alma em sua participação na vida social, política e cultural da Inglaterra abalada por profundas e traumáticas transformações ocorridas da era Eduardiana à Primeira Guerra Mundial.

Em uma entrevista sobre o livro, um jornalista esmerou-se em enfiar o Homem Universal de Davenport-Hines no espartilho do liberalismo econômico, que, dizem, faz sucesso nos ambientes da finança. Davenport-Hines escapou com habilidade da estupidez binária que opõe intervencionismo versus não intervencionismo ou Estado versus mercado. O entrevistador tropeçou na bola ao afirmar que “Keynes acreditava no individualismo, na liberdade e nas artes. Não na burocracia, no comunismo e na regulação da vida”. 

Quem esquadrinhou a obra do economista inglês não pode ignorar que sua rejeição ao individualismo utilitarista dos liberais vitorianos era tão intensa quanto sua aversão ao comunismo. Keynes prezava como poucos a liberdade política e almejava o aperfeiçoamento do indivíduo. Era, no entanto, crítico feroz e implacável do individualismo utilitarista e do “amor ao dinheiro”.

Sei que Gabriel recusaria essa comparação. Mas, certamente, concordaria com as lições de Keynes. Na opinião do autor da Teoria Geral, o economista deveria combinar os talentos do “matemático, historiador, estadista e filósofo (na medida certa). Deve entender os aspectos simbólicos e falar com palavras correntes. Deve ser capaz de integrar o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o mesmo voo do pensamento. Deve estudar o presente à luz do passado e tendo em vista o futuro. Nenhuma parte da natureza do homem deve ficar fora da sua análise. Deve ser simultaneamente desinteressado e pragmático: estar fora da realidade e ser incorruptível como um artista, estando embora, noutras ocasiões, tão perto da terra como um político”.

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